quinta-feira, 12 de junho de 2014

COLABORADOR OPINA - O passado como aprendizado

Tenho por hábito reservar algumas hora nos últimos dias que antecedem minhas férias de final de ano para organizar papéis e arquivos diversos. São práticas triviais como descartar documentos cuja guarda é desnecessária, reunir materiais similares em pastas únicas, selecionar objetos que possam ser doados. É um procedimento que passa por gavetas, armários e até meu computador, e que embora meramente operacional, reserva-me grandes surpresas.

Em uma pasta suspensa, por exemplo, deparei-me com uma grande quantidade de trabalhos escolares produzidos há cerca de uma década por meus filhos mais velhos, hoje com 18 e 16 anos. Um material singular que me conduziu a uma viagem no tempo, à época em que estavam sendo alfabetizados. Os primeiros traços e letras, os desenhos coloridos e pueris, os singelos presentes a mim ofertados em datas comemorativas.

Em outro momento, acesso um livro de ata utilizado para colher depoimentos de amigos que compareceram ao lançamento do meu livro "Sete Vidas", há cinco anos. Palavras generosas como só os verdeiros amigos sabem redigir. Envio um e-mail para um e telefono para outro, resgatando um pouco da relação distanciada pelo tempo e pelo espaço, porém não arrefecia em ternura.

Mas a grande viagem astral ficou marcada por um arquivo reunindo materiais de uma empresa que construí há exatos vinte anos. Anúncios em jornais e revistas, entrevistas publicadas em jornais, fotos d e um tempo em que eu tinha menos barba e mais cabelo. Um jovem idealista, repleto de certezas equivocadas, que viria a se descobrir apenas uma década depois.

Entretanto, nenhum sentimento se compara à emoção de casualmente ter em minhas mãos uma caixa de sapatos contendo algumas dezenas de jogos de futebol de botão. Uma brincadeira que me acompanhou durante a infância, quando eu jogava, ora sozinho, literalmente narrando a partida, ora contra colegas com os quais promovíamos torneios. Contudo, a emoção não estava nos brinquedos, embora as lembranças fossem suficientes para fazer marejar os olhos, mas sim nas poucas palavras escritas na tampa da caixa para identificar seu conteúdo: a caligrafia era de minha falecida mãe.

Naquele momento, sentado com a caixa no colo, eu fitava o contorno daquelas letras e não podia conter as lágrimas. Quantas saudades! Como a perda de uma pessoa amada é dolorosa... Em verdade, é insuperável. Os anos passam e parece que aceitamos o fato, quando em verdade, apenas nos acostumamos e aprendemos a suportar e seguir em frente.

Nossas batalhas cotidianas são muitos e variadas, amplas e cada vez mais intensas. Nosso tempo é curto, embora a vida seja longa, mas o que realmente vale a pena é  sutil, volátil  e está ao nosso redor. Por isso, resgate seu passado para valorizar o tempo presente, e em lugar de presentes, ofereça sua presença aos amigos e familiares.

Fonte: Tom Coelho - É educador, conferencista e escritor / O Estadão do Norte.

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