A Quaresma é o tempo mais forte de conversão. Mas, conversão de que? O papa Francisco nos convida a não instrumentalizar Deus para acobertar nossas injustiças. É um pecado ‘muito grave’, diz o sucessor de Pedro. Essa é a grande verdade que persegue a nossa sociedade, as sociedades como um todo, nossas realidades mais próximas. A preocupação do nosso pontífice é fazer da quaresma uma verdadeira mudança de vida, e não somente se limitar em observar regras e formalidades religiosas.
De fato, a Palavra de Deus insiste que a verdadeira conversão parte do coração, isto é, do profundo da vida de cada um. As práticas exteriores podem até nos iludir, e a ilusão é a pior coisa para negar a realidade. Essa campanha quaresmal, segundo o papa Francisco, é uma oportunidade de renovação no Espírito. Achei interessante como o papa tem a capacidade de ser simples em dizer coisas tão relevantes na nossa vida de cristãos. Nesse sentido, Francisco, através de um fato mostrou, por exemplo, como se deve fazer um jejum quaresmal: “Hoje é sexta-feira de Quaresma, não se pode comer carne. Então, comerei um belo prato de frutos de mar”.
Com este exemplo, Francisco observa que o pecado da gula é uma realidade entre as pessoas e nos levar a pensar sobre aquilo que é justo e correto. Em outras palavras, ele pergunta se adianta não comer carne e depois explorar os outros? O papa, em sua pregação, lembra-nos também que Jesus condena a piedade dos fariseus e doutores da lei do seu tempo por fazerem “tantas observações exteriores, mas sem a verdade do coração. O jejum que Jesus quer, pelo contrário, é o que desfaz as cadeias injustas, liberta os oprimidos, veste quem está nu, compartilhar o pão com quem tem fome, acolher os miseráveis, aqueles que não têm nada, faz justiça.”
Este é o verdadeiro jejum – reiterou o Papa – o jejum que não é somente exterior, uma lei externa, mas deve vir do coração. Precisamos envolver a vida como um todo; não podemos fazer jejum, oração e caridade somente pelas aparências. Deus não quer isso. Devemos, sim, remar contra a maré da cultura da imagem, que gosta de aparecer, de exaltar a exterioridade, e resgatar a essência da pessoa, que é, sim, exterioridade, mas também interioridade. A conversão recompõe a unidade humana. Assim sendo, segundo o papa Francisco, todos os cristãos, neste período tão especial da Quaresma, devem viver a própria vocação de forma coerente.
Tudo isso leva, naturalmente, a viver o próprio cotidiano sem se deixar conduzir pelas práticas exteriores que favorecem o acobertamento das injustiças. Diz o papa: “Eu não posso dizer ‘cumpro os três mandamentos e os outros mais ou menos’. Não. São unidos: o amor a Deus e o amor ao próximo são uma unidade e se você quer fazer penitência, real e não formal, deve fazê-la perante Deus e também com o irmão, com o próximo”. Acrescenta Francisco: “O que falou o apóstolo Tiago: ‘Tu poderás ter tanta fé, mas a fé se não produz obras é morta; pra que serve?’”
Continua o papa: “Tudo isso vale para a minha vida cristã, que busca tranquilizar a consciência: ‘Eu sou um grande católico, padre, gosto muito. Eu vou sempre a missa, todos os domingos, comungo...’” E o papa responde: ‘Tudo bem. E como é o relacionamento com os teus empregados? Você os pagas sem carteira assinada? Pagas a eles o salário justo? Pagas as contribuições para a aposentadoria? Para garantir a saúde e as prestações sociais? Infelizmente, tantos homens e mulheres têm fé, mas dividem as tábuas da lei (dez mandamentos): ‘Sim, eu faço isso’ – ‘ Mas faz esmola?’ – ‘Sim, sempre eu mando um cheque para a Igreja’ – ‘Tudo bem. Mas à tua Igreja; a casa tua, com aqueles que dependem de ti, sejam filhos, seja avós, sejam empregados, você é generoso, você é justo?’”
Com isso, o santo padre quer dizer que não se pode “fazer ofertas à Igreja e, pelas costas, ser injusto com os teus funcionários. Não é um bom cristão aquele que não faz justiça com as pessoas que dependem dele, e também que se despoja de algo necessário dele para doar a um outro que esteja precisando.” Portanto, a Quaresma é uma grande oportunidade para se chegar a Deus e ao próximo. Tudo isso, sem formalidades, mas em toda a realidade. Concluindo, salientou o papa: “Que o nosso caminho quaresmal se torne a observância exterior que corresponda a um profundo renovamento do Espirito”.
*Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.
*Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.
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