sexta-feira, 9 de maio de 2014

"Jovem é jovem, em qualquer lugar do mundo"

"Tenho alunos de 11-12 e 40 anos de idade, com suas linguagens e diferentes maneiras de encarar a vida. Quando se encontram no pátio ou na sala de aula começam a se agredir, como se a escola fosse a continuação de suas casas ou do bairro onde moram. Nas quatro horas em que se aqui permanecem não conseguem separar os problemas de fora dos que dizem respeito somente à escola".

Quem disse foi uma diretoras das 28 escolas incluídas no projeto que ha quinze anos coordenei numa grande cidade do interior de São Paulo. Um projeto multinacional, 38 mil alunos, dezenas de professores e funcionários, para testar um programa para melhorar condutas mediante normas inteligíveis, claras expectativas e adequadas condições de segurança.

As próprias direções não admitiam, mas já na época o pouco tempo que crianças e jovens passavam na escola bastava para serem vítimas de furtos, roubos, ameaças e agressões que todavia não eram comunicados à polícia.

Não só os aluno, mas também professores e funcionários sofriam com atos criminosos dentro da escola e nos arredores. A maioria sabia onde comprar drogas e evitava lugares onde roubos e agressões eram frequentes. Gangues já começavam a agir estimulando condutas criminosas e o medo já era o principal motivo de jovens, crianças e professores faltarem às aulas.

Não queria dizer, contudo, que houvesse clima generalizado de terror. A situação era crítica apenas em escolas isoladas, havia ocorrências graves em algumas, e em praticamente todas o problema era desordem.

Consequentemente, nossas estratégias eram aumentar a transparência das normas escolares e a coerência de sua aplicação, e melhorar a administração das salas de aula e a capacidade da escola de promover condutas positivas, encorajando famílias e comunidades a estabelecer disciplinas e vínculos emocionais claros e consistentes.

Para casos difíceis tínhamos um componente inédito, "justiça restaurativa", para conscientizar que a conduta dos alunos não responsabilidade exclusiva da escola, e ter como configurar um novo sentido de comunidade e cidadania, baseado na restauração dos relacionamentos corrompidos por violência e comportamento desregrado.

Previsto para três anos o projeto durou apenas alguns meses, em clima de grande entusiasmo dos professores, alunos, funcionários e da direção de ensino. O "segredo" foi "a pressão da avaliação", que transformava a todos em pesquisadores e responsáveis pelos resultados.

Quem não gostou foram os políticos. Queixaram-se à secretaria estadual de educação, que o pronto desautorizou o projeto, pois "deslocava o foco para o comportamento antissocial, exagerando as implicações na esfera da justiça". Os burocratas diziam que a Secretaria já tinha "respostas cabais ao problemas", como "interação nos fins-de-semana", tornar a escola "espaço de educação informal e lazer", suficientes para "reduzir os índices de violência e consumo de droga, dentro da escola, em em seu entorno".

Desde então desordem, violência e criminalidade ficaram incontroláveis, tornaram-se definitivamente opções culturais para as quais a escola não tem alternativas. A influência maior, já dizíamos não era a escola, mas a mídia, a propaganda, para quem o cidadão trabalhador e honesto é uma espécie de otário, que não consome, não "conquista", não se transforma em "pessoa especial".

Alguém especial, consumidor, como mostra um escritor da periferia: antes, se o vizinho pusesse o som alto, a pessoa ia, reclamar, e o vizinho baixava o som. Hoje, o bairro inteiro é composto de consumidores que ligam o som alto o dia inteiro, e o otário que trabalha não consegue descansar nem mesmo raciocinar.

"A tal da nova classe média teve acesso a comprar coisas. Mas, se você põe dinheiro na mão do cara e não dá cultura, ele vai exagerar o que já fazia. Não foi dada a base cultural.

E as "respostas cabais" dos políticos e burocratas? Nem escola nem família ou comunidade, "a Polícia Militar virou a grande mãe". A "base cultural" é dada pelo mercado através da lógica do consumo que atinge em cheio "uma massa gigante de jovens que não têm o que fazer".

Massa gigante nos rolezinhos, menor nos black blocs que protestam contra os mesmos políticos e burocratas que mais uma vez saem dizendo tolices como manifestações "coordenadas", simplesmente porque "indivíduos aparecem várias vezes em situações de depredação".

Nosso escritor conclui que "jovem é jovem, em qualquer  lugar do mundo", no Brasil ou na Ucrãnia, "nos jardins ou aqui, o cara é rebelde, que causar". Algo que um grande brasileiro explicou mostrando que jovem "não tem paciência de esperar que os privilegiados se separem dos seus privilégios", e como muitas vezes percebe "que os governos estão demasiadamente ligados às classes privilegiadas", sempre acaba "optando por radicalização e violência".

Fonte: Por Pedro Scuro Neto - Coordenador Nacional de Segurança Humana e Desenvolvimento, Fundação Republicana Brasileira, Brasília DF. - Folha do Servidor Público - março/2014 

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