ANTI-HERÓI DE DOIS MUNDOS
Ele se tornou o mais brasileiro dos integrantes da família real portuguesa que desembarcaram no País em 1808. Liderou a independência do Brasil e ainda libertou Portugal da tirania do próprio irmão. Para a biógrafa Isabel Lustosa, foi o primeiro Macunaíma nacional.
O homem que proclamou a Independência do Brasil foi muitas vezes tachado de boêmio, namorador, companheiro de toda sorte de vagabundos e xucro. Tudo verdade. Era ao mesmo tempo liberal, audacioso, antiescravocrata e responsável por proclamar uma das Constituições mais modernas do mundo. Esqueça a figura do imperador extravagante ou do emperiquitado herói das imagens oficiais. Dom Pedro 1º é, sobretudo, uma das personalidades mais fascinantes da história do País.
Para a historiadora Isabel Lustosa, biógrafa do imperador, Pedro foi uma espécie de primeiro Macunaíma brasileiro, o herói sem nenhum caráter criado por Mário de Andrade. É um personagem difícil de classificar na antítese simplista de herói ou vilão. "Ele foi, sobretudo, um macho, na acepção mais crua da palavra, no que esta tem de sensual e de rude, mas também de valente".
NO BRASIL, COMO OS BRASILEIROS
O futuro imperador veio ao mundo na cidade portuguesa de Queluz, em 1789, filho de dom João 6º e Carlota Joaquina e neto da rainha Maria 1ª, a Louca. Em 1808, a Coroa temeu a invasão das tropas de Napoleão Bonaparte. A fuga para a colônia ultramarina foi uma forma de salvaguardar o reino de Portugal. O garoto, então com nove anos, logo estaria vivendo com os brasileiros. E como brasileiro.
Dom Pedro 1º (1798-1834) - Nome completo: Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Serafim de Bragança e Bourbon.
Casamentos: 2 - Filhos: 18 - Apelidos de alcova: Fogo Foguinho e Demonão
O Rio de Janeiro se desenvolveu com a chegada da família real. Era preciso criar uma cidade digna de reis, rainhas e príncipes Só que o herdeiro real fugia das pompas e gostava mesmo era de estar no meio do povo. Desenvolveu habilidades notáveis em marcenarias, ferraria e cavalaria, enquanto a elite brasileira tinha horror ao trabalho.
Era dono de uma sinceridade desconcertante e, por vezes grosseira. Para o francês Jean-Baptiste Debret, a personalidade do príncipe era de "uma franqueza rude", porém "verdadeiramente amável". Um reverendo o flagrou, já no papel de imperador, ouvindo anedota de "um sujeito esquisto e pouco cerimonioso, pertencente à classe baixa. O imperador riu gostosamente da história".
Era conhecido também por ser um dos maiores mulherengos do Rio. Casou-se com Leopoldina, da família real austríaca, em 1817 e, após a morte da esposa, com Amélia de Beauhrnais, duquesa de Leuchtenberg, em 1829. Teve ao menos outras cinco amantes, relações que dariam fruto a 18 filhos. A mais conhecida foi Domitila de Castro, elevada por ele a marquesa de Santos. A troca de cartas com ela era um caso à parte. Às vezes assinava as missivas picantes como Fogo Foguinho; noutras, como Demonão.
PRENÚNCIO DA INDEPENDÊNCIA
Em 1821, dom João 6º viu-se obrigado a voltar para Portugal. Pedro tornou-se príncipe-regente do Brasil. Logo mostrou habilidades e tornou gosto pela nova função. Em 1822, ao saber que Portugal exigia o seu retorno para rebaixar o Brasil novamente à condição de colônia, declarou-se: "Se é para o bem de todos e felicidades geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico". Era o prenúncio da Independência.
Em 7 de setembro de 1822, retornava de uma viagem a São Paulo quando recebeu a notícia do ministro José Bonifácio de que Portugal havia feito uma série de novas exigências. O ministro foi enfático: "Senhor, o dado está lançado, e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores".
Em fúria, teria pisoteado a carta e ordenado que sua guarda arrancasse o laço azul que trazia às vestimentas, símbolo da nação portuguesa. "Laços fora, soldados. Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil". Depois ergueu a espada e bradou: "Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil". E encerrou com a divisa: "Independência ou morte!"
A LIBERDADE DE PORTUGAL
O imperador tratou de criar a primeira Constituição do Brasil. Após disputas que pareciam intermináveis para realizar tal fim, dissolveu a Constituinte. A Constituição, apesar de promulgada por vias pouco democráticas em 1824, era então uma das mais liberais do mundo.
Em 1828, em meio a dificuldade políticas no País, recebeu a notícia de que o irmão, dom Miguel, se unira aos conservadores e destronara maria 2ª, sua filha mais velha, do reino de Portugal. Decidiu retornar à terra natal três anos depois para propagar os ideais libertários e garantir que a filha herdasse o trono. Antes, atestou que o filho, Pedro 2º, então com cinco anos, se tornaria o futuro imperador do Brasil.
Com sete mil soldados contra 80 mil de dom Miguel, Pedro combateu os inimigos por dois anos e entrou vitorioso em Lisboa. O período de combate lhe causou uma tuberculose, que provocaria sua morte em 24 de setembro de 1834, aos 36 anos. Morreu com a satisfação de saber-se fundamental em dois momentos históricos de dois mundos: a independência do Brasil e a restituição da legalidade de Portugal.
Fonte: Livro D. Pedro I, de Isabel Lustosa - Companhia das Letras
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