segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Sociedade Civil reage à morte de cinegrafista da TV Bandeirantes em tiroteio no Rio

Cinegrafista da TV Bandeirantes, Gelson Domingos da Silva, de 46 anos, morreu na manhã deste domingo ao ser baleado no peito enquanto cobria uma operação policial na favela de Antares, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Segundo o Grupo Bandeirantes, ele vestia um colete à prova de balas permitido pelas Forças Armadas. Foi, porém, atingido por um tiro de fuzil, que atravessou a proteção. Em nota, a emissora diz que o disparo “provavelmente” partiu de traficantes. Em notas e em manifestações nas redes sociais, os jornalistas protestaram contra as condições de trabalho impostas aos profissionais do setor.
A assessoria de imprensa da PM informou que a operação começou por volta das 6h30 e tinha como objetivo a repressão do tráfico de drogas e armas na favela. Os policiais foram recebidos à bala e, na troca de tiros, o cineasta foi atingido. A PM chegou a levar o jornalista à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santa Cruz. Segundo a secretaria estadual de Saúde, porém, ele já chegou ao local morto, por volta das 7h40. Ainda assim, tentativas de reanimação foram aplicadas, mas sem sucesso.
O Grupo Bandeirantes lamentou a morte do funcionário, que deixa três filhos, dois netos e a esposa.
Em nota distribuída ainda na manhã deste domingo, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro pontuou que “falta de segurança e estrutura dada aos profissionais em áreas de risco resultou em mais uma morte na cobertura policial em favelas cariocas”. Ainda segundo a instituição, “o repórter cinematográfico, que era obrigado a exercer também a função de motorista do veículo da emissora – contrariando todas as normas de segurança em áreas de risco –, avistou um homem correndo com fuzil próximo a um beco. Gelson procurou proteção junto a uma árvore, começou a gravar mas recebeu um tiro no peito – que perfurou o colete à prova de balas. Seu corpo ainda foi levado para a UPA do Cesarão, em Santa Cruz. Na incursão, ele estava acompanhando de um repórter da TV Bandeirantes. Segundo relatos de profissionais que também cobriam a operação, o tiroteio era intenso e as equipes ficaram protegidas atrás de um muro”.
“O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) vê com indignação a morte de Gelson Domingos. É mais uma morte que resultou da falta de segurança em coberturas de risco no Rio de Janeiro. Para o Sindicato, este fato expõe a “imediata necessidade de dar continuidade às ações de proteção que foram prioridade após a morte de Tim Lopes e que hoje estão sendo proteladas pelo Sindicato Patronal”, acrescenta a nota.
Assinada pela presidente do sindicato, Suzana Blass, o comunicado informa, ainda, que a direção sindical realizou “uma reunião com as empresas para que a segurança dos jornalistas fosse avaliada e sentimos muita resistência na adoção de medidas concretas em conjunto com o Sindicato. As empresas acham que possuem o controle sobre as situações de risco até que algo acontece e prova o contrário”.
A reunião com o Sindicatos dos Proprietários das Empresas de Radiodifusão e das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas sobre normas de segurança em cobertura em áreas de risco, buscava o cumprimento do estabelecido na cláusula 45 do Acordo Coletivo de Trabalho. Mas não foram tomadas medidas concretas pelas empresas.
Suzana Blass avalia que a cobertura da violência só fica mais perigosa com a política de enfrentamento do Estado e a utilização de armas cada vez mais poderosas.
– Se não houver uma profunda discussão sobre medidas de segurança vamos continuar vivendo situações inaceitáveis como esta – disse a presidente do SJPMRJ.
Também neste ano, em maio, a direção do Sindicato dos Jornalistas pediu em Brasília o apoio da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal para a aprovação de leis que possam garantir segurança mais efetiva aos jornalistas que trabalham em áreas de risco. O pedido foi feito durante audiência pública realizada em homenagem ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Ao Sindicato das Empresas, foi proposta ainda em 2009 a ideia de criar em cada redação uma Comissão Paritária de Segurança, composta por profissionais do jornalismo, justamente para avaliar as operações em áreas de risco. Porém, este pedido foi constantemente negado sob a alegação de interferência nas redações. “A lógica dos patrões é fazer com que o emprego dos profissionais, como repórteres cinematográficos por exemplo, esteja garantido apenas à medida em que o trabalhador se arrisque cada vez mais em situações como essas”, expõe Suzana Blass. A estrutura dada aos profissionais é pífia já no item mais básico: o colete à prova de balas. O Sindicato dos Jornalistas já havia alertado os veículos e exigiu que o material fosse analisado por especialistas do setor. Um repórter de televisão que estava próximo a Gelson Domingos durante a operação na manhã deste domingo e foi até a UPA acompanhar o corpo, confirma: “Estes coletes são lixo, são de papel.”
– Trata-se de uma tragédia que não podemos deixar que volte a acontecer – afirma Suzana Blass.
O Sindicato dos Jornalistas também exige que a TV Bandeirantes auxilie a família da vítima financeiramente.
Gelson Domingos era um profissonal com vasta experiência na cobertura policial. Além da Bandeirantes, ele trabalhava também na TV Brasil há cerca de quatro anos. Antes, tinha passado pela Record e pelo SBT. Em 2010, Gelson fez parte da equipe de reportagem da TV Brasil vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com o trabalho Pistolagem, sobre assassinatos no Nordeste do Brasil.
– Ele era um cara cascudo, já tinha feito muita matéria de Polícia – lembra a amiga Neise Marçal, repórter da TV Brasil. Ela destaca a experiência e a vontade de Gelson em trazer as melhores imagens, as melhores informações para a redação.
“A vida de um jornalista”
Com larga experiência na chefia de equipes de reportagem, o jornalista Mario Marona, em sua página no Facebook, também se manifestou:
“Já comprei brigas que não queria em situação equivalente, mas vou repetir o que penso: a emissora que manda um cinegrafista cobrir um confronto entre policiais e bandidos “protegido” por um colete de imprensa apenas à prova de tiros de revólveres é responsável, também, pela morte dele. É possível – e não afirmo que é certo para não cometer uma injustiça – que Gelson Domingos estivesse vivo, agora:
1 – se fosse orientado a não se aproximar do conflito, ficando à distância segura, mesmo que isso prejudicasse um pouco a qualidade das imagens.
2 – se, orientado a filmar de longe, recebesse a ordem de fazer de perto apenas o rescaldo da operação depois do tiroteio, quando houvesse mais segurança para o trabalho dos jornalistas no local.
3 – se algum chefe experiente e menos ansioso dissesse a ele e a toda a equipe que estas imagens, anda que chocantes, não valem a vida de um jornalista e, portanto, não são assim tão necessárias.
4 – se as emissoras concluíssem, como deviam, que seus jornalistas não estão cobrindo a guerra do Vietnã ou do Iraque porque, se estivessem, teriam seguro de vida, usariam uniforme especial, estariam sob proteção das Forças Armadas do país cuja ação estivessem acompanhando e teriam, enfim, tantas imagens e tão ricas que poderiam ser feitas à distância segura.
5 – se as emissoras e os jornalistas parassem para avaliar se vale mesmo a pena botar a vida de um profissional em risco para conseguir meia dúzia de sobe-sons de tiros apenas para obter mais alguns pontinhos no Ibope.
6 – se todos os chefes que mandam estes jornalistas buscar imagens sem tanta importância com o risco de suas vidas fossem, eles próprios, de vez em quando, aos locais dos conflitos, para ver o que é bom pra tosse”.
Fonte: Correio do Brasil.





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