domingo, 11 de maio de 2014

CABO DE GUERRA LITERÁRIO

Polêmica envolvendo versões simplificadas de clássicos como "O Alienista", de Machado de Assis, divide opiniões na internet e na vida real

Há pelo menos uma semana as redes sociais têm sido usadas pelos defensores da língua para repercutir a ideia de "descomplicar" clássicos da literatura brasileira.

"O Alienista (1822), de Machado de Assis, e "A Pata da Gazela" (1870), de José de Alencar, devem ganhar, no mês que vem, uma versão idealizada por Patrícia Secco, autora especializada em testos infanto-juvenis.

A ideia dela é apresentar frases diretas e trocar palavras de difícil entendimento por sinônimos mais populares. "Sagacidade", por exemplo, seria transformada em "esperteza". Sua  iniciativa tem o respaldo do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Lei Rouanet, para distribuir 600 mil exemplares.

O projeto dela prevê ainda novas edições simplificadas de "O Cortiço", de Aluísio Azevedo, e "Memórias de um Sargento de Milíciais", de Manuel Antônio de Almeida, mas a escritora ainda não conseguiu patrocínio para esses títulos.

A Academia Brasileira de letras (ABL) divulgou nota de repúdio à iniciativa de Patrícia. Segundo a entidade, "o texto assinado pelo autor é inviolável e, como tal, deve ser preservado". Um grupo de escritores também encaminhou abaixo-assinado virtual ao MinC, pedindo providências. Em Rio Preto, especialistas ouvidos pela reportagem do Diário não são favoráveis à iniciativa.

"Se o projeto fosse ficção, a autora do mesmo seria um bom exemplo ou personagem para ser recolhida à 'Casa Verde'. pelo médico alienista, o Dr. Simão Bacamarte. Mas como infelizmente não é ficção, é realidade, digamos que, no Brasil, não raro, a realidade supera a ficção. Assim, esse ponto de vista irônico, o fato é interessante e, para continuarmos nessa linha do humor, um brilhante humorista, o Sérgio Porto, o incluiria, sem dúvida no seu exemplar de Febeapá: 'Festival de besteiras que assolam o País", diz duramente Sérgio Vicente Motta,  professor de teoria da licenciatura e literatura brasileira do Ibilce?Unesp.

Para Motta, uma interferência na escritura original compromete a coerência e abrangência de uma rede discursiva. "Se a questão é de vocabulário, não é o século 19 que constituiu um recorte problemático para o entendimento de um texto. Podemos ter um texto do século 20 ou mesmo atual, do século 21, e o vocabulário ser estranho ou mesmo incompreensível para algum tipo de leitor", explica.

Vale dizer que Motta não condena as traduções, adaptações de clássicos para leitores mais jovens e adaptações literárias para outros meios e veículos, como o cinema, a televisão e as histórias em quadrinhos.

"A qualidade dessas adaptações depende dos efeitos de informação estéticas e conseguidos na recriação, com os recursos e procedimentos das linguagens desses veículos".

O escritor e professor de línguas portuguesa Pedro Accquaroni Neto acredita que a nova versão da obra machadiana desvirtua a original.

Na opinião dele, o mais importante nos textos do autor não é a narrativa propriamente dita, mas a linguagem utilizada. Desse modo, pouco importa se Capitu traiu Bentinho em "Dom Casmurro" ou se o médico de "O Alienista" era louco.

"Esses livros trabalham com ironia e exigem reflexão sobre a vida. Adaptá-los seria empobrecê-los, opina.

Ainda de acordo com Acquaroni, adaptações de clássicos existem ha muito tempo, especialmente de obras internacionais. E, em alguns casos, o lastro cultural é mais importante do que a linguagem.

A justificativa de que os estudantes não se interessam por palavras difíceis não é desculpa para ele. Acquaroni, que também é diretor do colégio London, diz que é preciso indicar títulos apropriados para cada faixa etária. "Machado de Assis, por exemplo, é indicado para leitores mais amadurecidos, diz.
Fonte: Daniela Fenti -  Jornal Diário da Região / São José do Rio Preto-SP

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