Sempre que saem as pesquisas de intenção de votos para a presidência da República (res pública que, no Brasil, é mais privada do que se possa imaginar), lá estão nas primeiras posições Lula e Aécio (dentre outros). Em todas as pesquisas para deputado, lá desponta o Maluf. As pessoas iradas comentam nas redes: “como isso é possível”, “que povo é esse” que ainda vota em “gente assim tão desqualificada”; “que País é esse?” “Vou me embora desse antro de tupiniquins” e por aí vai.
Nossa memória é a grande responsável por essa tragédia ética. É verdade que alguns eleitores trocam o voto por dinheiro ou dentaduras ou sapatos ou celulares no dia da eleição. Mas isso é uma minoria. São as massas (de todas as classes sociais: elites e classes A, B, C, D e E), no entanto, que decidem as eleições (e que votam nos corruptos). Não é crível que os eleitores de Lula, Aécio e Maluf sejam apenas das classes sociais do topo ou da base da pirâmide. Todas as classes sociais votam neles. Como isso acontece?
Dentre outras, as explicações neuropolítica (ver Pedro Bermejo, Quiero tu voto, p. 105 e ss.) parecem interessantes. Nosso cérebro memoriza e aprende as coisas da vida por meio dos êxitos, não dos fracassos. O homo sapiens, nos primórdios, aprendeu a caçar suas presas pelos êxitos, não pelos erros. Fracassos nós deixamos de lado rapidamente. Quem gosta dos nossos fracassos são os nossos inimigos. Deixe-os então para eles. Nós gostamos dos êxitos. A verdade é que nossa memória registra pouco dos nossos fracassos (e provoca poucas mudanças estruturais e comportamentais). É por isso que, como se diz popularmente, “somos o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra”.
O que mais queremos na vida são as recompensas, as vantagens, os benefícios, a sensação de bem-estar, a satisfação dos interesses, o prazer, a alegria, enfim, as coisas boas. Ninguém se interna num hospital para passar umas férias. Nas nossas ações diárias, quando ativamos esse sistema de recompensa, queremos resultados positivos (bons, prazerosos). Se eles acontecem, nossa memória (por força de uma série de mecanismos cerebrais) registra o ocorrido e nos faz aprender, ou seja, nos faz reproduzir no futuro o mesmo comportamento para obter novas recompensas.
Se votamos ou apoiamos um político e ele nos traz benefícios e melhoras na nossa qualidade de vida, nosso cérebro aprende que a reprodução do mesmo gesto ou voto pode gerar novos estímulos de recompensa. Esse é o fenômeno que explica, por exemplo, a eleição de Getúlio Vargas em 1950 (apesar de ter sido um ditador na década de 30). O povo esperava dele novas retribuições. Os políticos experientes sabem que as massas dão prêmios ao passado de êxitos (repita-se: ainda que se trate de um ditador ou de um populista, isso acontece); elas reconhecem o que de bom foi feito para elas.
Neuropoliticamente explica-se (ver P. Bermejo, citado) que nosso cérebro produz: (a) dopamina (quando tomamos decisões em busca de recompensas, desprezando a aversão a perdas), (b) adrenalina (neurotransmissor que nos guia no momento da ação, ou seja, no momento da caça à presa, no momento do voto, no momento da entrevista para novo trabalho ou de uma prova, da conquista de uma pessoa que desejamos etc.), (c) serotonina nível 1 (decorrente da alegria da primeira recompensa: quando nosso candidato ou partido foi vencedor) e (d) serotonina nível 2 (ligada à felicidade gerada pelas recompensas prometidas pelo político – ele realmente melhorou nossa qualidade de vida, aprimorou a cidade, o país). Em suma: tomamos decisões sob dopamina, agimos sob adrenalina e comemoramos e aprendemos e memorizamos sob serotonina.
Como se vê, é a serotonina que desencadeia o processo de aprendizagem e de memorização no sentido de que repetindo o mesmo gesto ou ato (ou voto) vamos conseguir no futuro as mesmas felicidades. Repetimos o voto em quem nos produz recompensas e alegrias (serotonina nível 1 e, sobretudo, nível 2, consoante a forma exposta). Detalhe fundamental: nosso cérebro suporta o aumento de impostos, a redução dos direitos, tanto individuais como os sociais, as decisões impopulares (cortes de gastos) e até mesmo a corrupção do político, desde que ele nos tenha proporcionado recompensas (serotonina nível 2).
Com as dicas neuropolíticas expostas poderíamos concluir: (a) se Paulo Maluf, mesmo depois de ter sido eleito o modelo de homem corrupto, ganhando inclusive outdoors na Suíça em 2014, consegue ser reeleito, é porque gerou serotonina nível 2 (recompensas) em seus eleitores; (b) se Lula, apesar de tudo (malgré tout), apesar de ter comandado a kleptocracia brasileira durante muitos anos (com k, kleptocracia é neologismo), embora tenha convivido com o mensalão a partir de 2005, (se ele) aparece bem nas intenções de voto, é porque fez brotar a serotonina nível 2 nos seus eleitores (que não esquecem as recompensas); (c) se Aécio Neves perdeu a eleição presidencial em 2014 – tendo sido derrotado em seu Estado (Minas Gerais) – é porque não gerou serotonina nível 2 nos eleitores de Minas (que não se sentiram recompensados com sua gestão). E a questão ética, em tudo isso, como fica? Para muita gente com serotonina nível 2 ela não conta.
O que está ocorrendo em relação a Michel Temer? Sua baixa popularidade (igual à de Dilma, embora o povo majoritariamente esteja preferindo ele à Dilma, segundo as pesquisas) se deve ao seguinte: o povo não votou diretamente nele: 1/3 da população nunca ouviu falar dele (Folha). Leia-se: não houve dopamina (tomada de decisão em favor dele) nem adrenalina (voto nele) nem serotonina (alegrias por recompensas). A receita aos políticos é muito simples, em termos de popularidade: se quer conquistar o povo é preciso que proporcione alegrias para ele (recompensas).
Moralidade (ou imoralidade) da história: para o cérebro humano “feliz” (recompensado pelo trabalho do político), em regra, não importa (ou não importa muito) eventual envolvimento dele e, com certeza, do seu partido, com a corrupção. Sob serotonina nível 2 grande parcela das massas tolera até mesmo essa barbaridade ética. Quando as massas não são recompensadas e ficam iradas, até um fiat é suficiente para o cartão vermelho. Sob serotonina nível 2, os olhos se fecham, os ouvidos são tapados e as bocas se calam. É assim que a putrefação ética se espalha na vida pública brasileira. As explicações da neuropolítica podem ser contestadas, mas nos fazem pensar. É kantiana.
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