sexta-feira, 29 de julho de 2016

Santo Antônio espera um milagre

Rio Madeira
Com a entrada em operação das últimas turbinas da usina do Rio Madeira, o primeiro dos projetos recentes de hidrelétricas gigantes chega ao fim, depois de oito anos de obras e R$ 20 bilhões de investimentos. A missão de agradar ambientalistas, investidores, governo e população local, ao mesmo tempo, é digna de um santo

Os sinais do desenvolvimento em ciclos da Amazônia estão pelas ruas às margens do Rio Madeira, em Porto Velho, a capital de Rondônia. Lá se pode ver uma relíquia dos tempos do ciclo da borracha, os trilhos desativados da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, construída numa aventureira empreitada realizada entre 1907 e 1912 e que levou à morte mais de 10 mil dos 60 mil trabalhadores envolvidos no projeto. Ao se dirigir para uma rua paralela acima, estão alguns prédios públicos modernos, mas que foram desativados depois da cheia histórica do rio, em 2014. Num muro à frente da edificação em que deveria funcionar o Tribunal Regional Eleitoral, uma marca indica que mesmo ali, a dezenas de metros do Madeira, as águas superaram um metro de altura. As razões para a cheia, segundo especialistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Ceptec) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram as chuvas na Cordilheira dos Andes, na Bolívia, onde ficam as nascentes do Madeira. Mas, para parte representativa da população de Porto Velho, teve influência no desastre a construção da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, dentro do município, e de Jirau, a 120 quilômetros da cidade. “Em especial, a população mais velha diz que nunca viu uma cheia tão grande e relaciona isso às usinas”, diz Confúcio Moura (PMDB), governador de Rondônia, de seu gabinete com vista para o rio. “Entendo que exista uma questão nostálgica por parte de algumas pessoas, mas vamos ter de deslocar os bairros mais sensíveis”, afirma.
A construção das usinas permitiu ao estado uma situação incomum no Brasil atual. No meio da crise econômica, Rondônia continuou crescendo a taxas acima de 2% ao ano e não sofre com a alta do desemprego. A Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero) também elabora um projeto que será apresentado em dezembro, identificando setores de grande potencial para os próximos 15 anos. Entre os objetivos, está atrair indústrias, em especial, as ligadas ao processamento de carne, além de aumentar os negócios das cooperativas agrícolas e da exportação de peixes. “O maior legado da construção das usinas próximas de Porto Velho foi a evolução do empresário, que se formalizou para prestar serviços para a usina”, diz Marcelo Thomé, presidente da Fiero. “Isso afetou os negócios da cidade toda e melhorou o perfil da mão de obra.”
Esse impulso extraordinário agora tem data para terminar. A construção da Santo Antônio, um monumental projeto envolvendo Furnas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Caixa FIP e Cemig, vai terminar em novembro, quando ela ligar as suas seis últimas turbinas do total de 50 planejadas. Será a conclusão de uma epopeia. Durante oito anos, as obras consumiram investimentos de R$ 20 bilhões – duas vezes o valor do projeto inicial –, exigiram um pico de 22 mil homens trabalhando ao mesmo tempo, envolveram greves e disputas trabalhistas e com ambientalistas enfrentaram desafios técnicos. As obras também sobreviveram ao envolvimento das companhias acionistas na operação Lava Jato, à má situação financeira dos investidores e a uma séria crise no setor elétrico brasileiro. “Num país em que tudo atrasa, começamos a operar até antes do prazo previsto”, diz Eduardo de Melo Pinto, presidente da concessionária Santo Antônio Energia. Iniciada em setembro de 2008 e com operações desde março de 2012, a usina será o primeiro dos grandes projetos estruturantes recentes de energia a ficar pronto – Jirau e Belo Monte estão ainda em fase inicial de atividade.
Mas, até pelo seu porte, que a torna a quarta maior hidrelétrica do País, muitas expectativas foram criadas. Atender a todas elas pode ser considerado quase como um milagre, digno do santo que batiza o projeto. Para o País, a usina promete a garantia de segurança energética. Afinal, representará 4,2% da matriz energética nacional, com uma capacidade de geração de 3.568 megawatts, energia suficiente para suprir a demanda de 45 milhões de pessoas. Para o desenvolvimento da região em que está baseada, a contribuição financeira que criou uma mão de obra qualificada local agora se transferirá para os royalties anuais que abastecerá os cofres públicos. A estimativa é de contribuir com R$ 117 milhões ao ano, um valor considerado insuficiente pelo governador.
Para os ambientalistas, a simples existência da usina já causa impacto negativo, mesmo com o uso de uma área alagada pequena, menor em comparação com projetos do passado. Para os investidores, há a promessa de lucros, para afastar as perspectivas deprimentes vistas no setor elétrico nos últimos anos. “Fizemos muito”, afirma o presidente da concessionária. “O impacto ambiental é menor do que o previsto, treinamos 20 mil pessoas, o equivalente a 5% da população de Porto Velho, e 80% dos nossos empregados são locais.”
Se a região pode notar mais claramente o impacto de Santo Antônio, que deve resolver com as suas últimas turbinas a deficiente oferta de energia para Rondônia e o Acre, o que importa para o resto do Brasil é a discussão da relevância de projetos como esses. Quando as grandes usinas foram projetadas, na metade da década passada, era difícil prever que uma forte crise econômica diminuiria substancialmente a necessidade energética nacional. Segundo o Instituto Acende Brasil, a sobra de capacidade atual garante que não há riscos de desabastecimento até 2020. No pior de quatro cenários analisados, a possibilidade de déficit é de até 3,95%.  “O Brasil pode e deve continuar fazendo hidrelétricas, antes de elas esgotarem seu potencial social e econômico. Em especial, os bons projetos, como era o de Santo Antônio”, diz Claudio Sales, presidente do instituto. “Mas a política de fazer grandes empreendimentos em detrimento a usinas de médio porte não me parece uma boa opção, pelas dificuldades de licenciamento ambiental.” Os ambientalistas já defendem que projetos de energias renováveis alternativas, que agridem menos o meio ambiente do que as hidrelétricas, podiam já ter sido mais considerados, e agora precisam estar no centro no plano para o futuro. “Há 10 anos era impossível imaginar que a energia alternativa estaria agora tão madura e seria utilizada numa escala tal qual existe no Brasil”, diz Larissa Rodrigues, pesquisadora do Greenpeace para a área de energia.
Já para os investidores, chegou a hora da empreitada se provar um bom negócio. A Santo Antônio Energia atingiu a lucratividade no último trimestre do ano, com um resultado positivo de R$ 33 milhões. Mas o caminho até aqui foi atribulado. As obras para a represa se encontravam num ponto crucial exatamente no momento que a crise energética atingiu o País, a partir de 2013. “As intervenções má sucedidas do governo federal no setor coincidiram com uma fase de baixa dos reservatórios”, diz Pinto. “Chegamos a um momento crítico em que compramos por mais de um ano preços de energia no teto, repassando por valores pré-fixados.” O prejuízo estimado foi de R$ 5,6 bilhões, em gastos inesperados, que a empresa busca repassar em parte para o governo. Cabe ao tempo deixar claro que o gigantesco esforço por Santo Antônio valeu a pena.
Fonte: Isto é Dinheiro


COMENTÁRIO DO BLOG: MALDITAS USINAS!


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