quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Preguiça

Todo dia, lá pelo fim do dia, ela chega. Você senta para ver televisão e, quando os comerciais interrompem seu programa favorito, você nota que o controle remoto ficou lááá longe – e decide que esperar alguns minutinhos até o programa voltar não será tão ruim assim. Então bate a sede, mas você avalia mentalmente a distância até a geladeira – e decide que não está com tanta sede assim. Ao menos, nada que faça o esforço valer a pena.

Essa é a preguiça, nome comum para um estado cerebral que afeta a nós todos, todos os dias, quase que com hora marcada: o estado de falta de motivação causado pelo acúmulo de adenosina no seu sistema de recompensa como resultado das várias horas passadas no estado acordado.

Um dos efeitos da adenosina é bloquear a ação da dopamina, substância que, no sistema de recompensa, leva à ativação do estriado ventral. Esta, por sua vez, dá aquele surto de prazer que, quando produzido logo após algo bem feito, serve como recompensa –e, quando obtido só de pensar em fazer alguma coisa, e logo antes de fazê-la, serve como uma cenoura na ponta da varinha e empurra seu cérebro à ação.

O sistema de recompensa, contudo, funciona em paralelo com outro sistema, centrado no córtex cingulado anterior, que avalia custos: o esforço de se mexer. Se você sai do sofá ou não depende de quem fala mais alto e ganha a disputa –seu cingulado anterior ou o estriado ventral. E com o estriado ventral encharcado de adenosina, dá para imaginar que a sede terá que ser muito grande, e o comercial, muito ruim para fazer você sair do sofá.

Como a adenosina que se acumula é um subproduto natural do funcionamento de neurônios e outras células no cérebro, não há jeito: a preguiça certamente baterá no final do dia. O que é bom, pois assim você sossega e tem mais chances de adormecer. Por isso, também, jogar videogames altamente motivadores à noite (ou ler aquele livro de suspense com uma reviravolta a cada página) é uma péssima ideia: não há adenosina que chegue para neutralizar a ação de tanta dopamina.

Mas nem toda relutância em se mexer é por preguiça. Estou de férias onde, se quiser, posso ficar o dia todo lendo na rede. Aí a competição é outra: entre o prazer de continuar na rede e o novo candidato a próxima atividade. Geralmente só ganham a cozinha e o banheiro, ou um joguinho de cartas... 
Fonte: Suzana Herculano-Houzel - Neurocientista, professora da UFRJ - FolhaUol.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário