quinta-feira, 16 de maio de 2013

Por que é tão difícil ter vontade de voltar a viver no Brasil?

Depois de duas semanas lendo sobre o porquê dos meus companheiros de Brasil com Z não querem mais voltar a viver no Brasil, , decidi escrever meu texto. Em  2009 já havíamos feito uma ronda sobre "voltar ou não voltar" entre os colaboradores do blog...os tempos eram outros, o pessoal também. Inclusive eu dei minha opinião sobre a vola e decidi escrever de novo não porque tenha mudado de ideia, mas, sim porque ampliei um pouco meu pensamento.

Não vou enumerar aqui a quantidade de problema, principalmente sociais, ambientais e econômicos que existem no Brasil, ujma porque depois dessa série de post não vale a pena repetir, outra, porque todo mundo está careca de saber que no nosso país falta segurança, falta educação e saúde pública, falta tolerância faltam tanta coisa e sobre outras mais, como desigualdades, exclusões, injustiças.

Não sei quando volto ao Brasil pelo simples fato de que não sei se quero voltar ao Brasil. Gosto muito da vida que levo atualmente. A principal lição de vida que aprendi  nestes 6 anos de Sevilha é que não é pobre o que menos tem,  mas o que menos necessita. Aqui aprendi que não preciso de luxos para viver feliz, que com pouco dinheiro no bolso posso me divertir, ter uma vida cultural relativamente agitada e ainda viajar de vez em quando. Aprendi que a felicidade não se encontra em shopping e que autoestima não está diretamente relacionada com chapinha e unhas bem feitas. E não que no Brasil eu tivesse um padrão de vida alto ou fosse uma patricinha de carteirinha, mas, depois de viver 6 anos  em uma casa com móveis alugados, nossa percepção de vida muda muito.

Futilidades á parte, aqui aprendi que se trabalha para viver e não se vive para trabalhar. Isso significa realmente aproveitar a vida. A grande maioria do pessoal aqui do sul trabalha o justo e necessário para poder garantir uma lazer a nível máximo, um happy hour no final do dia, uma escapada no final de semana de umas férias de verão de um mês. Horas extras, 60 horas de trabalho semanais, um finalo de semana em casa atolado de prazos esgotados? Óbvio que isso acontece, mas, não é regra e nem o cotidiano de sevilhanos. Conheço funcionários públicos que pedem redução de salário para poder ficar uma hora a mais com os filhos em casa.

Aprendi a deixar o carro na garagem (leia-se estacionado na rua) e usar o transporte público. Voltei a aprender a andar de bicicleta. De onde eu moro eu chego a qualquer parte da cidade em menos de 40 minutos de pedalada ( e Sevilha não é uma cidade pequena, tem quase 800 mil habitantes fora a zona metropolitana). Não tem preço pode ir e vir respirando ar fresco (ok, nem sempre, afinal estamos numa zona urana) e de quebra fazer exercícios.

Aprendi a ser tolerante, a respeitar mais as diferenças, a descobrir a diversidade de raças, culturais, estilos de vida e  pensamentos muito diferentes dos nossos, brasileiros, muitas vezes machistas, egoístas e hipócritas (como também já foi citado nos posts dos meus colegas de Brasil com Z). Aprendi que viver no mesmo edifício que o motorista de caminhão de lixo e comer no mesmo restaurante da faxineira da piscina é ma coisa absolutamente normal, pois, a tal diferença de "classes" é estupidamente menor. Aprendi a conviver com famílias com dois país, duas mães e até duas mães e um pai (juro), a não falar mal de um mulher escabelada na padaria, a não ficar horrorizada com um "modelinho" fora do "normal".  Aprendi que o normal pode ser qualquer coisa, que cada pessoa é um mundo e que cada um de nós cuida do seu próprio mundo pessoa, sem precisar de aparências e máscaras. E ao mesmo tempo aprendi que todos devemos cuidar do nosso mundo coletivo, que a força do ser em conjunto é muito importante e que, melhor de tudo, dá resultados.

Aprendi que as diferenças nem sempre geram integração nem sempre geram integração, que podem causar desigualdade por estes lados também. Que imigrante é uma classe de pessoa que tem que correr atrás do prejuízo, que tem que lutar muito para conseguir se estabelecer e que, por questões que fogem as suas capacidades, nem sempre consegue o seu lugar ao sol. Aprendi que o ser humano, não importa a sua nacionalidade, está longe se ser perfeito, e apesar de tanta tolerância e igualde por um lado, pode ser bastante preconceituosos e injusto por outro.

Então, depois de conviver com tantos outros valores e realidades muitas vezes penso que não tenho vontade de voltar  a morar no Brasil. Quem, depois de aprender a cruzar uma rua pela faixa de segurança sem nem precisar olhar para os lados ou se acostumar a voltar para casa a pé às 3 da manhã, desfrutando o cheiro das flores de laranjeira e do silêncio da madrugada sem precisar olhar para trás, pensa um dia em regressar à sua pátria amada? Quem depois de dar risada (ou de irritar, no meu caso) com as crianças de uniforme do colégio jogando bola em plena praça central, de se habituar a pegar a sua biciclista e fazer um piquenique no parque público ou de ver uma roda de velhinhos e velhinhas tomando cerveja (sem álcool) felizes e cheirosos no mesmo bar que a garotada de 20 anos pode cogitar a hipótese de não viver mais essas coisas, aparentemente tão banais, mas, que no Brasil parece que há muito tempo não existe?

Claro, nem tudo são rosas... Não sou  casada com espanhol, não tenho meu diploma de arquiteta homologado para assinar projetos na Espanha (se bem que na atual situação econômica, "projetos" é coisa rara por aqui), vivo com um visto de estudante que não me dá direito à nacionalidade, não tenho direito à saúde pública (apenas atendimento de emergência) e pelo menos nos próximos anos não vejo nenhum futuro profissional na minha área (nem eu, nem 26% da população ativa do país, nem a maioria absoluta dos jovens recém-formados). Não tenho filhos espanhóis e em teoria, nada me prende aqui. Mas cedo ou mais tarde (cada vez mais é mais cedo, já que estou no segundo ano do doutorado) vou ter que tomar a fatídica decisão: volto ou não volto ao Brasil? Qualidade de vida acessível a um bolso pouco cheio ou um bom trabalho (ou um trabalho qualquer)?

Meu consolo é que este mundo é enorme, como já dizia o poenta, "grande demais para nascer e morrer no mesmo lugar". Confesso que não se se tenho o mesmo ânimo para recomeçar tudo de novo em um país novo, mas, quem disse que se eu voltasse ao Brasil eu não teria que recomeçar do zero? E entre recomeçar com qualidde de vida e recomeçar rodeada de violência, desigualdade e injustiças, só fico na dúvida porque estaria rodeada de muito amor, amigos e família (únicos motivos reais que me fazer pensar voltar a viver no Brasil).

Enfim, todo mundo deveria ter a oportunidade de sair da sua bolha, ver o mundo com outros olhos, aprender novos valores e, quem sabe, voltar e conseguir lutar por um lugar melhor. O Brasil é um país com duas caras, lindo e horrível ao mesmo tempo. Sei que sou uma privilegiada por estar onde estou e que muita gente se tivesse condições já estava com as malas prontas e a passem comprada para se mandar....e a gente aqui  falando em voltar. Adoraria poder voltar e tentar fazer do meu Brasil um lugar melhor para se viver, mas, ao mesmo tempo me sinto muito ingênua em pensar que isso poderia ser possível. Ninguém tem a resposta e não seja a única em duvidar do "desenvolvimento" do Brasil.

Queria viver entre os "meus", mas, a cada dia que passa me sinto menos parte dos que ficaram. Já não penso em altos salários, altos cargos, muito dinheiro para ser feliz. Embora muita gente siga pensando ao contrário, dinheiro não é e nem nunca foi garantia de felicidade. Felicidade para mim é isso, poder levar a vida sem pausa, mas, sem pressa, sem paradeiro se eu assim quiser. Posso não estar com os bolsos cheios, mas percebi que não necessito nada disso para ter uma via confortável, alegre e divertida.

Tive que cruzar o oceano para perceber isso? Sim, Não poderia ter aprendido tudo isso no Brasil? Claro que sim, mas, quem sabe a comparativa não existiria. Enquanto isso, continuo aproveitando esta grande oportunidade de fazer parte de outro mundo, que apesar de todos os problemas que existem como um lugar qualquer, parece que é mais jutos e respeitoso que o mundo onde nasci.
Fonte: Glenda Dimuro, Sevilha, Espanha - Jornal Alto Madeira


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