Como a visão, o tato e até a intuição podem ser utilizados para uma pilotagem segura
Quatro amigos famintos sentados à mesa esperando o garçom trazer a refeição. Quando chega a comida a mesa mal foi montada e já estão enchendo os pratos. Um deles percebe um cheiro estranho, olha bem para os pratos, pega a cumbuca de feijão cheira e alerta: este feijão está estragado! Da mesma forma que através do sentido do olfato nosso amigo faminto percebeu que havia perigo no ar sem antes ver ou mesmo comer, os motociclistas também podem aproveitar melhor seus sentidos para se prevenir de acidentes e garantir uma viagem segura.
Uma experiência vivida por mim já alguns meses serve como exemplo. Antes de chegar na curva de um viaduto que dá acesso à via expressa da Marginal Pinheiros, em São Paulo, senti cheiro de óleo diesel e imediatamente reduzi. Lá estava a curva com o asfalto lavado de óleo, que provavelmente um caminhão com tanque muito cheio derramou. Se não tivesse dado atenção a meu sentido, teria sofrido uma queda.
Em viagens o olfato também pode ser uma ótima ferramenta para evitar imprevistos. Nas estradas de serra, onde geralmente as curvas são fechadas e não é possível ver o que há adiante, o cheiro de queimado pode ser do freio de algum caminhão descendo lentamente. Se o cheiro for de fumaça típica de caminhão, pode ser também de um caminhão subindo devagar. Em ambas as hipóteses, diminuir a velocidade e aumentar a atenção são medidas que podem evitar um susto.
Sensibilidade
Nas competições de motovelocidade os pilotos estão constantemente acelerando e freando. Para não perder o controle da motocicleta numa frenagem acentuada ou numa forte saída de curva o piloto explora a sensibilidade do tato. Contudo, não é só nas pistas que esta sensibilidade pode ser aproveitada. Em dias de chuva, por exemplo, acionar os freios com delicadeza contribui para uma frenagem segura. Uma boa dica para aumentar a sensibilidade no freio dianteiro é utilizar somente dois dedos (o indicador e o médio) nas motos com freio a disco de bom desempenho.
A sensibilidade no acelerador e na embreagem é fundamental para pilotar motos potentes como roadsters e esportivas. Nesta categoria, onde a maioria dos modelos possui mais de 100 cv de potência, uma acelerada brusca ou o uso errado da embreagem numa curva pode se traduzir numa queda.
Para não perder o tato as luvas e botas têm um papel importantíssimo. Se estiverem muito apertadas ou folgadas podem prejudicar crucialmente a pilotagem. Aliás, manter a ponta dos pés nas pedaleiras não serve somente para evitar acidentes ao raspar no asfalto em curvas: essa postura, além de aumentar a segurança, melhora a percepção do piloto sobre as reações da moto e possibilita maior precisão para contornar curvas.
Ponto de vista
O mais importante dos sentidos, a visão, também pode ser trabalhada a favor de uma pilotagem segura. É comum um motociclista que passeia tranqüilamente enxergar um buraco numa curva suave e olhar com atenção para este obstáculo a fim de não passar por cima e "cabram", acaba acertando o buraco em cheio e ainda quase leva um tombo! Isso acontece porque a maioria dos motociclistas não olham para o ponto certo. Fixar a visão para o caminho por onde se quer passar e não no buraco é uma medida que ajuda a evitar este tipo de incidente. Saber olhar para o lugar certo e até conhecer o funcionamento dos olhos é essencial para uma pilotagem segura. A atenção ao cheiro ou a visão antecipada de perigos como manchas de óleo ajudam a prever e evitar situações de risco
Segundo o oftalmologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Paulo Mello, o olho humano oferece dois tipos de visão: a visão focal, projetada pela pupila, e a visão periférica, captada pela íris. Na visão focal as imagens de um determinado ponto são detalhadas, permitindo ler uma placa, por exemplo. Uma das características da visão focal é a tendência de perseguir objetos em movimento (por isso não se deve fixar a visão no obstáculo e sim no caminho alternativo, do contrário se torna mais difícil se esquivar).
Já a visão periférica não oferece nitidez, no entanto, é extremamente sensível ao movimento e variações de brilho. Outra diferença entre as duas visões é a velocidade: apesar de ambas serem interpretadas pelo cérebro, a visão periférica é mais ágil e imediata que a focal. Esta visão periférica pode ser bastante explorada no dia-a-dia pois nos ajuda a perceber se estamos sendo ultrapassados sem a necessidade de desviar os olhos da estrada.
Um movimento lateral pode ser um sinal de perigo, como um veículo cruzando o sinal vermelho, e esta previsão nos ajuda a evitar um possível imprevisto. Andar sempre com a viseira fechada é essencial para evitar problemas com a visão em uma viagem por conta da poluição e até objetos lançados por outros veículos.
Abra os ouvidos
Outro grande aliado para evitar o inesperado é a audição. Muitas vezes nas estradas o som de uma buzina ou mesmo o ronco de um motor é um alerta sonoro indicando que alguém se aproxima. Se no momento a intenção era mudar de faixa e não há ninguém à vista no retrovisor é melhor esperar e verificar antes de executar a manobra.
Tanto no dia-a-dia como em viagens não é só o som de terceiros que deve ser tratado com atenção. Muitas vezes um ruído estranho é sinal de que alguma coisa está errada, pode ser do motor, da transmissão, da suspensão ou em qualquer outro lugar. Mesmo que o ruído desapareça de repente, um check-up preventivo pode revelar qual era a origem do ruído e evitar problemas maiores.
Perigo na feijoada
Os vegetarianos que me desculpem, mas uma feijoada bem feita ou uma costela assada e macia é boa demais. Todavia, principalmente em longas viagens, quando sabemos que vamos passar muito tempo pilotando, não devemos agradar nosso paladar dessa forma, com refeições pesadas. Para viagens mais longas o ideal é se alimentar com refeições leves, de preferência evitar carne vermelha, não comer além da conta e fazer uma breve pausa para descanso. Pilotar sentindo aquela “preguiçinha” comum após as refeições é o mesmo que apontar uma arma contra a própria cabeça, pois nessas condições a atenção que poderíamos desprender para o trânsito diminui e a desatenção é um dos principais motivadores de acidentes nas estradas.
Paladar: Refeições pesadas em viagens longas pode diminuir a atenção do motociclista
Além dos sentidos
O sexto sentido, conhecido também como intuição, premonição ou o simples ato de perceber o mundo além dos cinco sentidos também pode ser usado a nosso favor. Não é preciso ser uma Mãe Diná, analisar as inúmeras situações cotidianas, muitas vezes é suficiente para que possamos assumir a postura correta no trânsito e evitar um perigo eminente.
Imagine a seguinte situação: uma fila de carros parados na faixa da esquerda, a faixa da direita livre no começo e mais a frente fila nas duas faixas com espaço somente entre os carros. Como já disse acima não é preciso ser um cartomante para prever que possivelmente um carro trocará de faixa para aproveitar o espaço vago. Quem presta atenção nessas situações imediatamente diminui a velocidade e faz uma aproximação segura, atento a qualquer manobra que, neste caso, não é mais inesperada.
Além das inúmeras e repetitivas situações no trânsito das grandes cidades, que podem ser percebidas com um olhar atento, na estrada também é possível utilizar o sexto sentido à favor da segurança. Quando, por exemplo, um caminhão sai da faixa da direita para realizar uma ultrapassagem o correto é o motociclista aumentar a distância do caminhão prevendo algo inesperado até que o caminhão retorne à faixa da direita e melhorando sua visão e permitindo uma ultrapassagem segura.
Prestar atenção aos detalhes durante a pilotagem é a única forma de evitar ocasiões inesperadas. Se você está perto de casa e vê uma um bola de futebol cruzando sua frente não basta apenas desviar, basta usar o sexto sentido para prever que pode passar uma criança correndo atrás desta bola. Tentar antecipar esta hipótese e diminuir a velocidade pode evitar um sério acidente.
Todas essas dicas de segurança e pilotagem só são válidas quando o motociclista assume uma posição responsável no trânsito, sempre atento, obedecendo as leis e utilizando equipamentos de segurança adequados - capacete, jaqueta, calça luvas e botas. Desfrutar uma pilotagem segura e prevenida é muito mais prazeroso.
Fonte: Texto - Francis Vieira - Revista Duas Rodas
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