O juiz é fortemente contaminado por fatores como ideologia,
traumas ou mesmo eventos fortuitos
Saber como funciona a cabeça
dos magistrados parece ser algo cada vez mais importante. Afinal, a cada dia,
mais e mais questões essenciais de nossas vidas passam pelas mãos de juízes.
Nesta semana, por exemplo, o destino econômico de milhões de consumidores e
do próprio sistema financeiro ficou em suspenso porque nossos ministros do
Supremo resolveram pensar mais um pouquinho sobre o assunto.
Teoricamente, juízes deveriam
ser capazes de realizar uma operação lógica básica. Apurados os fatos,
aplicar-se-ia a norma pertinente. Ou seja, dedução pura e simples. Quando nos
aproximamos do cotidiano dos tribunais percebemos que a coisa não é tão
simples assim. Fatos intrincados. Leis pouco claras. Temor com as
consequências. Adicione-se a isso o fato de que os magistrados não são robôs.
Nos últimos anos tem-se
avolumado o número de pesquisas empíricas que vêm buscando aferir de que
forma os magistrados constroem suas decisões. Com auxílio da neurociência, da
linguística, das ciências computacionais ou de meros estudos estatísticos,
tem sido possível aferir que há muita coisa por baixo de raciocínios
jurídicos aparentemente lógicos e imparciais. E não poderia ser diferente,
afinal, juízes são humanos, por mais que alguns custem a acreditar nisso.
Nossas mentes parecem estar
equipadas com dois tipos de processador de decisões. Um primeiro nos oferece
a possibilidade de tomar decisões de forma incrivelmente rápida. Colhemos
informações no meio ambiente e as processamos à luz de uma enorme quantidade
de experiências anteriores, sentimentos, valores e preconceitos, num piscar
de olhos.
Um segundo processador, que
funciona no nível da consciência, e tem natureza dedutiva ou reflexiva,
permite que tomemos decisões de forma mais segura, ponderando muitas
variáveis, mas tudo isso demora mais tempo.
Juízes não são menos
intuitivos que as demais pessoas. Quando se deparam com um réu, um caso de
divórcio ou tributário, logo intuem como os resolverão. Experiência e grande
quantidade de trabalho servem como forte incentivo para que tomem o máximo de
decisões no menor tempo possível. Como esse processo não se dá no nível da
consciência, ele é fortemente contaminado por fatores como ideologia, traumas
infantis ou preconceito, ou mesmo eventos fortuitos, como se o julgamento
estiver ocorrendo antes ou depois do almoço. Felizmente, quando há tempo,
eles podem ser submetidos a uma avaliação mais reflexiva e os juízos
intuitivos são eventualmente corrigidos pelos reflexivos.
O danado é que mesmo que os
magistrados busquem refletir sobre a consistência de suas inclinações, nem
sempre são capazes de livrar-se delas.
Recente pesquisa feita por Lee
Epstein, na Suprema Corte americana, demonstra que juízes conservadores, que
normalmente são mais restritivos quanto à liberdade de expressão, a apoiam
quando o discurso em questão é conservador. Por outro lado, os liberais,
normalmente mais simpáticos à liberdade de expressão, a restringem quando os
discursos são muito conservadores.
A Joaquim Barbosa nunca
faltaram arraigadas inclinações. No julgamento do mensalão, convenceu a
maioria de seus colegas de que elas eram consistentes com o direito. Esta
maioria se dissolveu e ele ficou só.
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Fonte: Oscar Vilhena Vieira - Folha de São Paulo
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