Não é novidade que diferentes órgãos da imprensa vêm apontando a severa crise que a Polícia Civil paulista está passando, tendo a mais recente notícia sido divulgada no final de outubro.
Fundamentalmente, ao longo da última década, o governo do Estado não tem reposto os policiais das diferentes carreiras na mesma velocidade com que eles se aposentam. Com isso, a força policial está diminuindo a passos largos, e a população sofre os efeitos da falta de pessoal quando precisa das delegacias de polícia.
Além disso, o enfraquecimento da polícia investigativa faz com que os autores dos crimes não sejam nem identificados nem presos, assim seguindo na criminalidade. Não é incomum que equipes de investigação da capital paulista –que são compostas por 1 delegado, 1 escrivão e 2 investigadores– tenham sob sua responsabilidade mais de 500 inquéritos policiais, sendo humanamente impossível dar seguimento a tantos inquéritos com tão pouca gente.
Somam-se os problemas internos da corporação com as condições de trabalho dos policiais –que sofrem com baixos salários e fazem "bicos" para sustentar suas famílias– e com o grande número de carreiras dentro da força. Tais dificuldades da Polícia Civil não ficam confinadas ao Estado de São Paulo, mas se repetem em outras regiões do Brasil.
Um exemplo disso está no estudo "O herói envergonhado: tensões e contradições no cotidiano do trabalho policial". Conduzido por mim e pela professora Cinthia Rodrigues, da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), junto de 305 policiais civis de todo o país e que responderam a um questionário online, o estudo mostra que as dificuldades da polícia investigativa estão presentes em diferentes unidades da federação.
A falta de pessoal é um problema constante, o excesso de burocracia com que os policiais precisam lidar no trabalho é bastante prejudicial para o exercício de suas atividades e a infraestrutura também deixa bastante a desejar. Prédios ultrapassados e com pouca manutenção, delegacias sem o número necessário de computadores, viaturas velhas, falta de munição, armamento inadequado e formação defasada são alguns dos aspectos que fazem com que policiais civis reclamem de suas condições de trabalho.
Dentro desse contexto de precariedade, o estudo indicou que os policiais sentem-se envergonhados, especialmente por que consideram que trabalhar na Polícia é viver com medo, em perigo e se colocando em riscos. Ficou evidenciado também que eles não se sentem valorizados pelos gestores públicos, pela sociedade, pela legislação e pela imprensa.
Uma das consequências desse quadro é a existência de um número expressivo de policiais que se sentem desmotivados, e as chefias têm grandes dificuldades em gerar motivação entre eles. Em larga medida, muitos policiais estão vivendo com a sensação de que a sua organização está à beira da falência, sendo que a perícia criminal enfrenta problemas semelhantes.
Se por um lado são compreensíveis as dificuldades financeiras dos Estados em um momento de severa crise econômica, por outro poderiam ser geradas medidas alternativas para que os policiais recebessem benefícios indiretos, como isenção de impostos para comprar bens e contratação de planos de saúde.
Além disso, os governos precisam fazer adequadas previsões orçamentárias que garantam a reposição da mão de obra da polícia para cobrir as aposentadorias dentro da instituição. Embora, dada a grave situação da segurança pública no Brasil, o ideal seria que houvesse um aumento do efetivo.
Também é urgente que haja uma formação sólida de gestão dentro das polícias civis ou até mesmo criar a carreira de gestores públicos dentro da força. Muitas das corporações do Brasil passam por um desmonte silencioso, e, sob a pena de continuarmos perdendo para o crime, a sociedade precisa cobrar de seus governantes para que tal processo se reverta.
Fonte: Rafael Alcapadipani - Uol Notícias
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