O sofrimento é a dor que mais penaliza as pessoas, sobretudo, aquela que atinge o corpo. Naturalmente, sempre estamos expostos às fragilidades, porque o nosso corpo tem limitações. O salmo 37, do Antigo Testamento das Sagradas Escrituras, nos proporciona uma reflexão sobre isso. Veja o que diz:
“Senhor, em vossa cólera, não me repreendais, em vosso furor, não me castigueis, porque as vossas flechas me atingiram, e desceu sobre mim a vossa mão. Vossa cólera nada poupou em minha carne, por causa de meu pecado nada há de intacto nos meus ossos. Porque minhas culpas se elevaram acima de minha cabeça, como pesado fardo me oprimem em demasia. São fétidas e purulentas as chagas que a minha loucura me causou. Estou abatido, extremamente recurvado, todo o dia ando cheio de tristeza. Inteiramente inflamados os meus rins; não há parte sã em minha carne. Ao extremo enfraquecido e alquebrado, agitado o coração, lanço gritos lancinantes. Senhor, diante de vós estão todos os meus desejos, e meu gemido não vos é oculto. Palpita-me o coração, abandonam-me as forças, e me falta a própria luz dos olhos. Amigos e companheiros fogem de minha chaga, e meus parentes permanecem longe. Os que odeiam a minha vida, armam-me ciladas; os que me procuram perder, ameaçam-me de morte; não cessam de planejar traições. Eu, porém, sou como um surdo: não ouço; sou como um mudo que não abre os lábios. Fiz-me como um homem que não ouve, e que não tem na boca réplicas a dar. Porque é em vós, Senhor, que eu espero; vós me atendereis, Senhor, ó meu Deus. Eis meu desejo: Não se alegrem com minha perda; não se ensoberbeçam contra mim, quando meu pé resvala; pois estou prestes a cair, e minha dor é permanente. Sim, minha culpa eu a confesso, meu pecado me atormenta. Entretanto, são vigorosos e fortes os meus inimigos, e muitos os que me odeiam sem razão. Retribuem-me o mal pelo bem, hostilizam-me porque quero fazer o bem. Não me abandoneis, Senhor. Ó meu Deus, não fiqueis longe de mim. Depressa, vinde em meu auxílio, Senhor, minha salvação!”
Para melhor entender esse salmo quero focar umas questões. O salmista diz que são “fétidas e purulentas as minhas chagas”. O vocabulário hebraico usado para indicar ‘chagas’ é a ‘lepra’. E nesse sentido que esse salmo se considera como a oração de um leproso. É bom lembrar que a lepra em Oriente daquele tempo era uma doença que carregava também um afastamento da comunidade, um total isolamento das outras pessoas. Também os evangelhos nos atestam a marginalização dos leprosos. Portanto, essa doença é a representação trágica da solidão, da expulsão da comunidade e, ao mesmo tempo, revela a impureza, o pecado do doente.
Nesse sentido, a oração se entrelaça com doença e pecado, porque a doença é vivida como um sinal do juízo de Deus. De fato, o salmo inicia com a lamentação de um doente e depois se transforma em uma confissão do pecado. O pecador-doente sente efetivamente o peso insuportável de uma terrível responsabilidade moral e a precipitação da ira de Deus. E para derrubar essa teoria da retribuição, tão fria e simplista, são necessários o testemunho de Jó, a nova perspectiva inaugurada pelos hinos do servo de Yhwè e de Jesus o Cristo. O fiel, nesse salmo, se desanima perante a tanta dor física e se sente só.
É a partir dessa lamentação que inicia a reflexão teológica sobre o pecado segundo a teoria da retribuição. Na Bíblia aparece Yhwè que castiga os pecadores. Por exemplo, no segundo livro dos Macabeus, Judas e o seu exército travaram uma guerra com Górgias, comandante da Iduméia, e o seu poderoso exército. Nesse confronto vitorioso, porém, “morreram alguns judeus, que depois descobriram porque morreram: debaixo das túnicas de cada um encontraram objetos consagrados aos ídolos de Jâmnia, cujo uso a Lei vedava aos judeus.” Assim, esses soldados morreram porque se entregaram aos ídolos e Deus os puniu.
Por isso, esse salmista sente a ira de Deus e assim, para poder sarar, ele pede primeiro o perdão dos pecados. Segundo esse devoto em oração é demais crente que o arrependimento dos seus pecados lhe abrirá caminhos de salvação, na experiência do amor de Deus. E do encontro entre a criatura doente e pecadora e o Criador pode somente resultar o perdão e, portanto, segundo a famosa retribuição, também a cura. Para nós, cristãos, o amor de Deus está acima de qualquer situação, e o seu amor é doado sempre sem mérito nosso.
Assim sendo, deve-se evitar cair na armadilha de “culpar” Deus pelos males que afligem a existência humana. A única origem dos males é a responsabilidade humana. Como acreditar que Deus vai fazer guerras? Vai provocar doenças? Vai degradar a natureza, a nossa “casa comum”? A natureza, a saúde, o meio ambiente, são dádivas de Deus, frutos da Criação.
Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.
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