A rivalidade entre Indian e Harley-Davidson está de volta, por isso reunimos as duas para resolverem as diferenças da única maneira possível, na estrada
Desde que a Indian Chief renasceu nos Estados Unidos, dois anos antes da volta ao Brasil, estamos ansiosos para tocar o gongo e deixar a disputa rolar na estrada com uma Harley-Davidson. Numa grande viagem por belos cenários, como as duas gostam e merecem ser apreciadas. Pelo preço da Indian, a partir de R$ 79.990, a concorrente direta de Milwaukee é a topo de linha das clássicas sem carenagem frontal, a touring Road King, que aqui está ao lado da Indian na versão Vintage, também com para-brisa e malas de couro. As duas carregadas de bagagem histórica das centenárias marcas americanas e prontas para que os enormes motores V2 cromados fossem acordados, roncassem compassado cada um em seu ritmo, como uma vitrola começando a girar, com a agulha pronta para tocar Jerry Lee Lewis.
Inevitável entrar no clima montando em linhas inspiradas no passado, acompanhadas de rodas raiadas, pneus com faixa branca, faróis auxiliares e muito aço por baixo da pintura bicolor (nada de plástico!). Assim como nos Estados Unidos há controvérsia sobre quem merece o título de rei do rock, se é Jerry Lee Lewis, Chuck Berry ou Elvis Presley, entre Indian e Harley é difícil para os fãs de custom deixarem paixões de lado. Nós terminamos a viagem decididos, e essa é a história que queremos contar agora – talvez seja o começo de um novo capítulo para as motos americanas e quem sabe essa competição aquecida nos dê outra história de revanche para contar nos próximos meses?
Começando pelo que é novo, a Chief une engenharia contemporânea da Polaris (sua nova dona) e respeito à tradição. Veja o para-lama envolvente com as famosas coberturas laterais de aço coroado pela cabeça do chefe índio, agora iluminada por LEDs, e você entenderá o espírito do projeto. Tudo aparenta e remete passado, mas se beneficia de tecnologia do presente: chassi de alumínio forjado, medidas maiores que as da Road King e mais fáceis de manobrar, motor cheio de aletas e formas arredondadas seguindo a estética Indian da primeira metade do século passado, mas que funciona silencioso e moderado nas vibrações, enquanto despeja potência e torque como uma Chief antiga nunca chegara perto de ter.
Na Harley-Davidson as atualizações foram sutis ao longo dos anos (ou décadas), apesar do advento do chamado Projeto Rushmore logo após o retorno da Indian, que incorporou inovações às motocicletas já existentes sem modificar profundamente o que já existia. Não há como negar que a Harley está atrás em tecnologia – não estamos falando só de injeção eletrônica, cruise control e ABS, que as duas têm –, seu acabamento já não parece tão primoroso e o que antes resistia aos anos como “personalidade” da moto começa a incomodar. Percalços da chegada de um novo parâmetro...
Conveniências aos súditos
As duas partem de São Paulo (SP) em direção a Minas Gerais em ritmos diferentes, a Indian mais comprida, o que se reverte em mais espaço para condutor e passageiro; com para-brisa mais largo, que evita o vento contra os braços sentido na Road King; acelerando seu motor de 1.811cc (contra 1.690cc) que não deixa os braços tremendo enquanto se espera a cancela do pedágio levantar. O fato da Chief ter assento 5 cm mais próximo do chão ajuda a montá-la e manobrá-la, melhora seu centro de gravidade e resulta em comportamento dinâmico mais ágil e leve do que se pode supor pelos 8 kg a mais que a Harley. A posição muda bastante quando se troca de moto, as pernas ficam mais dobradas na Road King (as plataformas estão mais próximas) e o guidão excessivamente alto obriga a sustentar os braços e acaba cansando os ombros.
Já as garupas são “incomparáveis”, como atestou nosso fotógrafo depois de se revezar nas duas motos, embora só a Road King venha com plataformas para o passageiro – não foi suficiente para sensibilizá-lo a abandonar o banco da Indian até o fim da viagem, que é largo, com camada espessa de espuma e inclinação que evita escorregões para trás, algo comum de acontecer na Harley. Levando máquina fotográfica e lentes sobressalentes, ele foi quem mais tirou proveito das bolsas de couro, ambas com cintas de efeito meramente decorativo, porque são fechadas por engates rápidos de plástico escondidos atrás das fivelas. São também removíveis através de travas na parte interna (assim como os para-brisas) e variam nas medidas, de menor capacidade na Harley, porém mais fácil de usar por causa da abertura maior.
A ciclística também deixa a viagem com a Indian mais agradável, a rigidez do chassi ajuda na estabilidade, principalmente em altas velocidades, quando as oscilações são amenas e previsíveis. As suspensões absorvem os solavancos vindos do pavimento de maneira mais uniforme, o amortecedor traseiro é capaz de filtrar boa parte das pancadas, qualidade que depois de duas horas sobre a moto faz muita diferença. Já a Road King é mais suscetível à torção, seu chassi em berço duplo de tubos de aço é conectado a dois amortecedores pneumáticos que sofrem para absorver os solavancos do caminho, pior para a coluna. É preciso um pouco mais de força para direcioná-la e em curvas fechadas como as da Serra da Mantiqueira chega primeiro ao limite, raspando as plataformas no asfalto. Na autoestrada que leva da capital à serra aproveitamos para descansar a mão testando o cruise control, ambos corrigem a velocidade com eficiência mantendo o número escolhido independentemente de subidas e descidas, eliminando também a preocupação com os radares. Precisou frear ou parar de novo no pedágio? Tudo bem, o sistema é desativado imediatamente e retoma a velocidade previamente selecionada ao toque de um botão.
O veredito
Na aceleração a Road King toma a frente, depois a Indian ultrapassa e segue com vigor até beirar 200 km/h no velocímetro. A Chief é novamente mais rápida na retomadas de velocidade em 6ª marcha, que simulam a necessidade de uma ultrapassagem sem a redução de marcha. As frenagens foram praticamente um empate em distância, com sensação mais modulável e menos força exigida pela Chief (única com sistema flutuante e tubos revestidos por malha de aço), embora seu ABS traseiro permita que a roda trave antes de agir.
Depois de percorrermos parte do Sul de Minas e voltarmos a São Paulo, a conclusão estava evidente. Viajar com a Indian é mais agradável, a Chief vence em conforto e eficiência em quase todos os quesitos, além de ser mais atraente para quem a vê passando e, especialmente, quando analisada nos detalhes de materiais, acabamentos, soldas, forros, capas e parafusos. Numa moto de R$ 80 mil como a Harley também incomoda que os faróis auxiliares não possam ser acionados por botão junto dos outros comandos, é preciso esticar o braço e virar uma chave metálica de aparência excessivamente simples, quase adaptada, atrás dos faróis. A sofisticação tem seu preço, e neste caso é R$ 10 mil a mais pela Vintage, que sem dúvida compensam o maior prazer que proporciona.
Fonte: Revista Duas Rodas
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