Além dos perigos corriqueiros do trânsito, um moto profissional precisa também ficar atento aos “perigos ocultos”causados pela pressão, que, apesar de invisíveis, podem por sua vida em risco.
Os motoprofissionais trabalham sob pressão. Para cumprirem suas entregas no menor tempo possível, são cobrados o tempo todo. O problema é que, para cumprir suas tarefas, eles se deparam com o caótico trânsitode cidades, como o de São Paulo, onde os riscos de acidente são altíssimos e que, para piorar, são agravados em situações como dias de chuva ou de calor intenso, quando o número de ocorrências envolvendo motociclistas aumenta.
O medo de ter sua ferramenta de trabalho (a moto) roubada, sofrer um acidente que o afaste do trabalho – quena maioria é informal, não sendo garantido nenhuma indenização nos dias em que ficará afastado – ou mesmo de não prover o sustento a sua família faz com que esses profissionais vivam sob grande pressão psicológica, gerando estresse e outros perigosos e ocultos males.
Para saber mais sobre essa problemática, buscamos ajuda de uma psicóloga, Cláudia Fagundes França, que concedeu uma entrevista muito interessante e reveladora. Acompanhe.
Mundo Moto: Quais os males que um indivíduo que vive sob grande pressão psicológica pode sofrer?
Dra. Cláudia - Os males que podem se manifestar em decorrência dessa situação podem começar com o desequilíbrio emocional e o desenvolvimento de transtornos mentais. Os principais que podem se manifestar em pessoas que vivem sob forte pressão psicológica são os transtornos ansiosos, como o transtorno de pânico, o transtorno de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade.
MM - Tais males seriam o suficiente para tornar o dia a dia sobre a motocicleta ainda mais perigoso?
Dra. Cláudia - Com certeza, pois o problema está interligado como em um looping. Por exemplo, se o indivíduo está o tempo todo sob pressão, ele tem de dar conta, não importa como, da demanda de um dia. Ele foca somente no cumprimento de sua meta. O corpo, então, responde com ansiedade, que gera adrenalina como se estivesse preparado para lutar ou fugir, e isso o expõe a perigos, inclusive a manobras perigosas, em que o indivíduo deixa a questão da vida em segundo plano. Ele também está mais vulnerável, podendo ter surtos de agressividade e envolvimento em brigas no trânsito. Por não fazer um trabalho tranquilo, tudo o que acontece pode atrapalhar o cumprimento de suas tarefas.
MM - Quais os sintomas de um indivíduo que está vivendo essa problemática?
Dra. Cláudia - Quando o sujeito já está adoecendo, ou seja, o seu organismo já está manifestando sintomas de alguns transtornos e desequilíbrio emocional, é bem provável que ele não dê conta do trabalho ou das exigências. Dessa forma, ele se sente incompetente, incapaz, se culpando por não conseguir, e ficando, portanto, com a autoestima prejudicada. Esses indivíduos acreditam que não conseguem porque deveriam se dedicar mais ou que não deram tudo de si. Ele foca em si como causa do problema enquanto a questão é muito mais ampla. Vale ressaltar que a questão da personalidade de cada é importante, pois as pessoas mais ansiosas vão ter o risco de desenvolver mais problemas de ansiedade, agressividade, irritabilidade excessiva e os transtornos citados acima. A pressão também pode gerar a despersonalização no sentido de se sentir máquina como a máquina que está pilotando, esquecendo assim de sua humanidade.
MM - Existe alguma forma de se prevenir contra esse tipo de estresse? Como?
Dra. Cláudia - Acho que formas de se prevenir existem sim, porém repito que essa é uma problemática mais ampla, que não é causada somente por fatores internos e individuais. Primeiramente esse olhar deve ser de responsabilidade social, buscando formas de proteger o ser humano dessa condição imposta de máquina, em que o próprio sujeito não respeita seus limites. O indivíduo deve procurar olhar para si, avaliar os riscos, as vantagens e desvantagens. Se está vivendo um constante sofrimento psicológico, deve procurar outras alternativas, outras saídas. Deve acreditar que é possível buscar mudanças, não deve esperar adoecer a ponto de não poder mais desenvolver outras habilidades.
MM - Quais profissionais um motociclista/moto profissional deve procurar ajuda e como é o tratamento nesses casos?
Dra. Cláudia - Como a questão é mais ampla, social, política de trabalho, e não individual, deve-se procurar ajuda no sentido de a classe se unir para um diálogo com sindicatos, buscando leis que regularizem e humanizem a função. O profissional pode buscar ajuda nos Centros de Assistência a Saúde Mental (CAPS), onde ele encontrará profissionais como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. Os convênios médicos também hoje já garantem cobertura para esse tipo de tratamento.
MM - Qual o conselho daria a um moto profissional que vive esse problema?
Dra. Cláudia - Respeite seus limites acima de tudo, nada é mais importante do que o ser humano. A sua família precisa do sustento, mas com certeza precisará muito mais de você saudável. Quem pressiona não vive sua problemática, com certeza não pensa em você, e só você sabe os seu limites. A máquina, quando quebra, pode-se trocar uma peça. O ser humano, quando fragiliza, enfrenta caminhos árduos e pode se comprometer para toda sua vida.
Fonte: Laine Azevedo - Revista Mundo Moto
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