O novo Código de Processo Civil estabeleceu em seu art. 84, § 19 que “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. O dispositivo é autoaplicável ou depende de lei regulamentadora? É autoaplicável, já que a lei regulamentadora é pré-existente ao advento desse dispositivo. Em verdade, os honorários de sucumbência sempre pertenceram ao advogado público, desde o advento da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), já que seu art. 23 é inequívoco em expressar, sem qualquer distinção, sem qualquer exclusão, que “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.
O que vinha impedindo os advogados públicos de receberem a sucumbência era um gravíssimo equívoco de interpretação da Lei nº 9.527/94, pois o Superior Tribunal de Justiça vinha compreendendo que “Por força do art. 4º da Lei n. 9.527/94, os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente público, não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade.” (AgRg no REsp 1101387/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 1ª turma, publ. DJe 10/09/2010). Tal conclusão estava, no entanto, aplicando a lei em situação na qual não se aplicava, um erro que tinha que ser superado. Isso porque o citado art. 4° da Lei n° 9.527/97 prevê que “As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista”.Destarte, mostra-se inequívoco que tal dispositivo se refere à inaplicabilidade das disposições contidas no Capítulo V, quais sejam, os arts. 18 a 21 que disciplinam o “Advogado Empregado”. Já o art. 23, que disciplina sobre a titularidade dos honorários de sucumbência encontra-se no Capítulo VI do mesmo Título I, portanto, em nada era atingido pelo art. 4° da Lei n° 9.527/97. No entanto, esse erro interpretativo vinha sendo cegamente (e, talvez, propositadamente) repetido por outros Tribunais.
Antes mesmo do novo CPC, o Supremo Tribunal Federal já tinha se manifestado sobre esse tema no memorável acórdão proferido no RE 407.908/RJ (1ª turma, Rel. Min. Marco Aurélio, publ. DJe 03/06/2011), processo no qual o Conselho Federal da OAB interviu como assistente do advogado. O recurso extraordinário impugnava acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que havia declarado “afronta ao princípio da moralidade” na realização de acordo judicial com parcelamento de dívida, no qual estava previsto o direito à sucumbência como titularidade do procurador de uma sociedade de economia mista. O TJRS tinha assim se pronunciado em sede de embargos infringentes: “Inexistindo entre a empresa de economia mista e seu procurador qualquer contrato reconhecendo caber a este os honorários de sucumbência, afronta o princípio da moralidade a atribuição a ele dos honorários impostos em sentença em favor da embargante, já que aquele estaria se beneficiando de dupla remuneração – salário e honorários” (EIAC 200000500581). O acórdão foi reformado e, sob a relatoria do Min. MARCO AURÉLIO, reconheceu-se que “Implica violência ao artigo 37, cabeça, da Constituição Federal a óptica segundo a qual, ante o princípio da moralidade, surge insubsistente acordo homologado em juízo, no qual previsto o direito de profissional da advocacia, detentor de vínculo empregatício com uma das partes, aos honorários advocatícios”.
É certo, no entanto, que o advento do novo CPC contribui para pacificar definitivamente o tema. Trata-se de disposição autoexecutável, porque a lei a que se refere já existe: o Estatuto da OAB, especificamente em seu art. 23. Assim, o advogado público é o titular dos honorários de sucumbência fixados no processo, independentemente da necessidade de qualquer outra lei, e pouco importando tenham sido fixados antes ou depois do advogado do novo CPC. Já pertenciam aos advogados públicos. Nesse sentido, MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO assevera que “O art. 85, § 19 do novo CPC, então, confirma uma previsão legal já existente, pacifica a controvérsia sobre os beneficiários dos honorários da Advocacia Pública e consolida a luta dos advogados públicos pelo seu recebimento” (As conquistas da advocacia no novo CPC, Brasília: OAB, Conselho Federal, 2015, p. 21).
Destarte, basta que o advogado público, em nome próprio, execute a sucumbência. Em situação na qual se discutia a titularidade dos honorários sucumbenciais decorrentes de causa em que contendiam o Município de Alto Bela Vista/SC e a União, o TRF 4ª Região decidiu que estes deveriam ser requisitados diretamente no nome do procurador do Município. Colhe-se do voto do desembargador federal JOEL ILAN PACIORNIK as seguintes conclusões: “Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou a retificação do beneficiário da verba honorária advocatícia, fazendo constar o Município de Alto Bela Vista/SC. (...)Primeiramente, considere-se que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar, sejam eles contratuais sejam sucumbenciais, como já assentou o STF (RE 146318, Min. VELLOSO, 1996). Observe-se também que, devido ao advento do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), a verba de sucumbência pertence unicamente ao advogado ou à sociedade de advogados que atuou no processo de conhecimento, constituindo-se direito autônomo destes, como dispõe o art. 23 do referido diploma legal (...) Note-se, ainda, que, como exposto na fundamentação da decisão que atribuiu efeito suspensivo ao recurso (fls. 90/91), ‘embora tenha a parte legitimidade concorrente para execução da verba honorária de sucumbência, a titularidade sobre os valores é exclusiva do advogado, razão pela qual poderia, sim, a requisição apontar como beneficiário o patrono da parte’. Dessa feita, tenho que merece reparos a decisão agravada, para que seja reconhecida a titularidade exclusiva, por parte do advogado, da verba honorária sucumbencial.” (AG 384423720104040000, 1ª Turma, publ. D.E.02/03/2011).
A divisão de tal verba entre os integrantes da Procuradoria, quando mais de um existir representando o ente público, será definida por estes, que poderão adotar a solução que mais lhes parecer conveniente: em favor daquele que atuou no processo, proporcionalmente ao que mais atuou no processo, ou rateio igualitário. A maioria das Procuradorias estaduais, municipais e autárquicas já têm solucionado a questão com a destinação da verba sucumbencial a um fundo especial ou associação, ao/à qual compete promover o rateio entre os procuradores, solução que se mostra legítima. Se os Procuradores criarem uma associação destinada a essa finalidade, a entidade terá legitimidade ativa para executar a sucumbência. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já tinha reconhecido essa legitimidade em relação às associações constituídas por advogados empregados: “Nada obsta, assim, que, existindo uma associação regularmente criada para representar os interesses dos advogados empregados de determinado empregador, possa essa entidade associativa, mediante autorização estatutária, ser legitimada a executar os honorários sucumbenciais pertencentes aos ‘advogados empregados’, seus associados, o que apenas facilita a formação, administração e rateio dos recursos do fundo único comum, destinado à divisão proporcional entre todos os associados.” (REsp 634.096/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª Turma, publ. DJe 29/08/2013).
Também é importante salientar desde logo que os valores recebidos a título de honorários de sucumbência não compõem os vencimentos para incidência do teto remuneratório: por terem fontes completamente distintas, não têm a mesma natureza jurídica. A remuneração é fixa, certa e invariável, paga pelo ente público empregador como retribuição pecuniária pelo exercício do cargo. A sucumbência decorre da lei processual civil, é eventual, incerta e variável, paga pela parte sucumbente no processo, logo não se insere no conceito de remuneração e sequer dele se aproxima. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão julgou improcedente Ação Direta Inconstitucionalidade que continha arguição nesse sentido: “Os Advogados Públicos, categoria da qual fazem parte os Procuradores de Estado, fazem jus ao recebimento de honorários advocatícios de sucumbência, sem que haja ofensa ao regime de pagamento do funcionalismo público através de subsídio ou de submissão ao teto remuneratório, tendo em vista que tal verba é variável, é paga mediante rateio e é devida pelo particular (parte sucumbente na demanda judicial), não se confundindo com a remuneração paga pelo ente estatal.” (ADI 30.721/2010, Rel. PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA).
Por “advogados públicos” entenda-se todos aqueles relacionados no art. 3º, parágrafo único deste Estatuto: os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Disso decorre, ainda, que o art. 85, § 19 do novo CPC revogou os arts. 46, inciso III e 91, inciso III da Lei Complementar nº 80/94, que vedada a percepção de honorários pelos defensores públicos da União, do Distrito Federal e dos Territórios. Também revogou leis que eventualmente tenham proibido a percepção de honorários pelos defensores públicos do Estados.
Fonte: Hélio Vieira e Zênia Cernov - São advogados militantes há 22 anos na área sindical / Tudo Rondônia
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