sexta-feira, 3 de abril de 2020

MOMENTO JURÍDICO - 3 dicas para lidar com o stress na advocacia


Pesquisas por todo o mundo apontam que a advocacia é uma das profissões mais estressantes dos tempos atuais



Tarde de domingo. Na reunião de família, um advogado conversa sobre amenidades com os pais, mas a preocupação com o cumprimento de um prazo "fatal" durante a semana teima em dominar seus pensamentos.
"Você está tão distante, meu filho", diz a mãe preocupada.
Nos dias anteriores um cliente ligou três vezes num dia para exigir novidades do processo. Outro reclamou do pagamento dos honorários contratados, em ação que tramitou por 10 anos. O estagiário foi demitido após errar o pagamento de uma guia de custas, causando prejuízo a outro cliente.
Prazos, discussões acaloradas em audiência, cobranças, sentimento de injustiça e um mercado cada vez mais acirrado são apenas alguns elementos que fazem da advocacia uma das mais estressantes profissões da atualidade.
Em todo o mundo, pesquisas apontam para um elevado aumento dos transtornos do humor nos advogados, resultando muitas vezes na síndrome de burnout (1).
A cartilha da saúde mental do Conselho Federal da OAB aponta que a intensa competitividade, a tensão emocional, as condições de trabalho desgastantes e a cobrança de metas complexas (ao que se somam as novas tecnologias) auementaram o stress profissional, com destaque para o burnout e os transtornos de ansiedade depressão (2).
Diante desse quadro e com base na nossa experiência de atendimento a profissionais do direito, elencamos abaixo 3 dicas simples, meramente comportamentais, que podem contribuir para que as tensões do cotidiano da advocacia não afetem o seu estado emocional.

1. Evite o envolvimento emocional excessivo com as causas

Tenha claro na sua consciência que o advogado desenvolve um trabalho jurídico. Parece fácil de entender, certo? Não é.
Muitos fazem piada com a frase "sou advogado e psicólogo, conselheiro...", e acham bonito tomar as dores do cliente (o que geraria uma combatividade), mas na prática, esse comportamento não tem graça nenhuma: ao tentar ser psicólogo e revirar tensões mentais, o advogado quase sempre é tragado para o abismo emocional do seu cliente.
Não há como não se envolver emocionalmente com uma causa (e isso nem sera sadio), mas é preciso agir com sabedoria e amor próprio.
Faculdades de direito não preparam juristas para lidarem com transtornos de humor.
Assim, por mais que a situação envolva emoções e tensões delicadas (crimes, divórcio, demissão, etc.), seja acolhedor e ouça as queixas do cliente mas procure orientá-lo a buscar auxílio psiquiátrico e psicológico caso note que encontra-se instável. Uma pessoa estável e devidamente tratada preservará seu psicológico e lhe permitirá desenvolver um melhor trabalho.
Todo advogado concorda que um psiquiatra age errado se dá palpites em processos judiciais que desconhece. Logo, um advogado também erra ao tentar solucionar um quadro de depressão, stress ou ansiedade. Ao tentar levar a cura, adoece.
Foque na solução do problema jurídico e evite ruminar as dores do cliente, imaginando como poderia agir para melhorar o quadro emotivo que escapa à área do direito, pois ser altruísta também implica em ser humilde o suficiente para não se colocar na posição de "salvador".
Ao conversar com colegas sobre o caso, destaque as questões afetas ao direito e evite amplificar todo o aspecto emocional envolvido.
Se os diálogos com o cliente te deixam "pra baixo", agende reuniões em um ambiente alegre e inicie as conversas sorrindo, com assuntos amenos.
Ao ingressar no tema do processo, explique os aspectos jurídicos e seja confiante e objetivo. No momento em que o cliente expor as emoções do caso, demonstre compaixão mas não patine nesse terreno: procure trazê-lo para a realidade "dos autos".
Faça um bem a si e ao cliente: não passe uma visão catastrófica ou pessimista da situação processual e evite repetições e desabafos improdutivos sobre o sistema de justiça.
Se o assunto em pauta não demanda horas de diálogo, defina o momento de encerrá-lo, e encerre-o sem titubear.
Por outro lado, aceite que receber uma decisão desfavorável é algo inerente ao sistema judicial. A morosidade também. Você conhecia as regras do jogo antes de entrar em campo.
Logo, esforce-se para que um sentença de improcedência ou um recurso mal julgado (que possam manter ou agravar a negatividade do seu cliente) não reflitam no seu humor.
Nesse ponto, não se culpe nem cultive a ira: você não é o primeiro e nem o último a ter escrito uma tese incrível e extremamente fundamentada que foi rejeitada por um magistrado que, talvez, nem tenha lido os seus argumentos com a devida atenção (a falha é inerente à condição humana).
Tribunais superiores e sustentações orais existem para isso.

2. Uma tarefa de cada vez

Talvez você tenha assumido a condução de dezenas ou centenas de processos cobrando honorários iniciais baixos, e agora não tem condições de contratar estagiários ou fazer parcerias que lhe permitam desafogar o fluxo de tarefas.
Pode ser também que você tenha que revisar dezenas de petições redigidas por estagiários, tão mal escritas que lhe vem a vontade de demitir todos e fazer tudo por conta própria.
Vem o sentimento de estar vivendo um caos.
Não se desespere. Respire e aja.
Elabore uma lista que contemple os principais prazos e divida os trabalhos ao longo das semanas. Se o tempo for insuficiente, delegue funções e pondere eliminar tarefas.
Se você se distrai com facilidade, fique alheio à internet e ao celular quando da execução dos trabalhos, e discipline a sua mente para manter o foco apenas no que está sendo executado naquele determinado momento.
Em hipótese alguma ocupe sua mente com pensamentos sobre como resolver um assunto que está reservado para o futuro. Siga esse raciocínio nos momentos de descanso e lazer.
Todo dia tem o seu "problema". Um por vez, portanto.

3. Haja o que houver, não descuide da alimentação!

Há alimentos que aumentam a irritabilidade e aceleram a mente. Evite-os!
É comum vermos advogados que chegam ao escritório pela manhã e saem à noite, mantendo ao lado de uma pilha de papéis e processos uma garrafa de café. No sul, o mesmo se vê com as cuias de chimarrão.
A cafeína - também encontrada no mate - é um psicoestimulante poderoso, o que torna esse hábito extremamente nocivo num ambiente que já envolve conflitos e burocracia. Uma mente muito acelerada prejudica o processo de tomada de decisões, além de alterar o sono.
Pondere tomar um descafeinado ao longo de dia, restringindo o uso do café para certos momentos.
Resista à tentação de redigir aquela peça processual sem fazer pausas para se alimentar. A alimentação desregulada e rica em junkie food potencializa o surgimento ou o agravamento de diversos transtornos do humor.
Leve para o escritório frutas e alimentos saudáveis e reserve tempo para fazer uma refeição tranquila. Jamais tenha numa mão um garfo e na outra um celular.
O combate ao stress não combina com um almoço apressado e muito menos com uma presença frenética nas redes sociais.

O que você tem feito?

Estas são apenas orientações básicas de comportamento para os profissionais liberais, adaptadas à realidade da advocacia.
Como é óbvio, um quadro de stress e ansiedade deve ser avaliado com rigor por um profissional especializado, logo quando do surgimentos dos sintomas, e sempre que estiver prejudicando a vida do afetado.
E você, sente-se muito estressado no dia a dia da profissão? Que fatores afetam negativamente o seu quadro emocional? Quais medidas adota para evitar o acúmulo de tensões?

Clínica das Emoções é uma clínica de psicoterapia e psiquiatria especializada em transtornos do humor, com ênfase na depressão, na ansiedade e no transtorno bipolar.
Referências:
(1) Tsai, Feng-Jen & Huang, Wei-Lun & Chan, Chang-Chuan. (2009). Occupational Stress and Burnout of Lawyers. Journal of occupational health. 51. 443-50. 10.1539/joh.L8179.
(2) Cartilha da Saúde Mental da Advocacia: o cuidado de si como inerente à preservação dos direitos dos outros. / Sandra Krieger Gonçalves. - Brasília: OAB, Conselho Federal 2019.

Fonte: Marilene Costa, médica psiquiatra e psicoterapeuta, membro da International Society for Bipolar Disorder (ISBD)

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