sexta-feira, 3 de abril de 2020

MOMENTO JURÍDICO - Médico pode ser obrigado a devolver seus honorários ao paciente insatisfeito?


Será que o médico tem a obrigação legal de devolver devolver os honorários, quando o paciente fica insatisfeito com o serviço prestado?


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Tenho falado muito do erro médico e de como o termo de consentimento livre e esclarecido é um documento imprescindível para minimizar o risco de demandas judiciais.
Neste artigo, vou falar de um outro documento importante.
Contudo, antes de falar dele, vou compartilhar uma história (verídica), que ocorreu com um médico.
Esse médico foi obrigado a devolver os honorários médicos pagos pelo paciente, em virtude de uma cirurgia estética mal sucedida.
Até aí, a coisa segue um roteiro que já conhecemos de outros artigos, no caso dos cirurgiões plásticos.
O que impressiona no caso é que, além do dinheiro pago pelo procedimento, o médico também foi condenado a pagar por uma nova cirurgia correcional.
Daí, eu te lanço a questão: será que o médico tem a obrigação legal de devolver devolver os honorários, quando o paciente fica insatisfeito com o serviço prestado?

O pedido de reembolso dos honorários do médico incomoda

Muito paciente insatisfeito com um tratamento, acaba pedindo o reembolso dos honorários médicos.
“É o mínimo que você ele pode fazer”, diz o cliente, revoltado, para a secretária, que acaba intermediando a negociação.
Isso quando não ameaçam com ações judiciais ou denúncias no CRM.
Infelizmente, é uma conduta corriqueira!
Vamos entender, afinal, qual é o direito do médico nesses casos, e o que ele pode fazer para se precaver, caso apareça um cliente insatisfeito e revoltado.

Teve que devolver mais do que os honorários médicos

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Como disse, o caso que contei mais acima é verdadeiro.
Ele foi trazido a público pela divulgação do Tribunal de Justiça de São Paulo, de um julgado (uma Apelação Cível).
A apelação foi feita pelo paciente, após a sentença de primeiro grau ter dado ganho de causa para o médico.
O Tribunal reformou a sentença, e surpreendentemente, condenou o médico a pagar uma indenização, a título de danos materiais.
A indenização incluiu a devolução dos honorários médicos, além do custo com uma nova cirurgia correcional, bem como danos morais.
Um total de 38.867 reais!

Confira a decisão:

REPARAÇÃO DE DANOS – Erro médico – Cirurgia plástica no abdômen, nas nádegas e nos seios, com colocação de prótese de silicone – Improcedência do pedido – Inconformismo – Acolhimento – Prova pericial que confirma os danos nas mamas por complicações do pós-operatório passíveis de reversão – Ré que não comprovou ter informado adequadamente a paciente dos riscos do pós-operatório – Cirurgia plástica de embelezamento – Obrigação de resultado – Condenação da ré em danos materiais de R$ 12.135,00 (devolução dos valores pagos) e de R$ 16.732,00 (custos com a nova cirurgia) e danos morais de R$ 10.000,00 – Sentença reformada para julgar procedentes os pedidos – Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1010249-91.2017.8.26.0003; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/11/2019; Data de Registro: 14/11/2019)

Analisando o processo do médico, veja o que encontrei

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Analisando os dados disponíveis do processo, verifiquei que a paciente alegou que, ao realizar procedimento de estético, o resultado não foi alcançado.
Na decisao do TJ-SP, o relator afirma que os documentos fornecidos pelo médicos não demonstraram que a paciente foi alertada dos riscos específicos do procedimento.
Veja só: a falta de documentos adequados foi usada como argumento para justificar a condenação do médico.
Chegamos a um ponto crucial da nossa argumentação: todo profissional da saúde deve ser mais cuidadoso, se prevenindo da situação totalmente possível do cliente ficar insatisfeito, e pedir a devolução dos honorários.
Vamos falar, então, do documento que mencionei mais acima: o contrato de prestação de serviços médicos.
Este documento deve ser confeccionado com extrema cautela e atenção, assim como conhecimento jurídico de todas as implicações jurídicas do relacionamento entre médico e paciente.
Alguns elementos devem ser considerados, no momento da elaboração desse contrato:
  • descrição detalhada da atividade a ser realizada;
  • lista dos procedimentos a serem seguidos pelo paciente, para obter maiores chances de resultado positivo;
  • todas as etapas do procedimento;
  • forma e condições de pagamento;
  • o alerta sobre a possibilidade do resultado não ser alcançado (ponto principal, que merece, inclusive, destaque e marcações especiais).
Agora, atenção a este ponto!
O contrato de prestação de serviços médicos não é um Termo de Consentimento Informado.
São documentos diferentes.
E um documento não substitui o outro: cada um tem sua função.
O contrato de prestação de serviços médicos pode (e deve) trazer informações sobre a natureza de serviço meio, que rege a atividade médica.
Digo isso, porque é uma prática muito comum entre médicos, principalmente profissionais liberais ou clínicas pequenas, não elaborarem um contrato, só o termo de consentimento.
Tem que ter contrato, sim!
E é importante listar, nesse contrato, todas as etapas do relacionamento médico-paciente, desde o primeiro contato até a finalização do atendimento/ tratamento, de forma detalhada!

As vantagens do contrato para o médico

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Todo contrato é uma garantia para as partes envolvidas.
Todo mundo ganha com um contrato bem elaborado.
Contudo, é bom falar de duas excelentes vantagens do contrato para o médico.

Primeira: proteção jurídica

Com o contrato, o médico pode evitar pedidos de devolução de honorários médicos por insatisfação com o procedimento.
O contrato acaba tendo um efeito psicológico, desencorajando o paciente insatisfeito de buscar a Justiça para reaver o dinheiro pago.
O cliente vai ler o contrato, perceber que concordou com cláusulas que alertavam sobre riscos do procedimento, e tende a não buscar reparação na justiça.
Outra coisa que ajuda muito – uma prática que sempre recomendo aos clientes aqui do escritório – é a leitura do contrato com o paciente.
Oriente sua secretária a se certificar que o paciente efetivamente leu o contrato.
Também traz bastante segurança à relação médico-paciente a elaboração de um resumo didático do contrato.
Sempre que elaboro contratos de prestação de serviços para médicos, faço um resumo, com linguagem didática, dos pontos mais importantes do contrato.
O médico, então, imprime esse resumo em um documento separado, e após a assinatura do contrato, entrega o resumo para o paciente.
Teve um cliente que até mandou fazer um folder, todo bonito, e mandou imprimir na gráfica.
Parece redundante um documento que resume o contrato.
Mas é uma orientação a mais para o paciente, uma garantia de que ele entender todas os pontos importantes do contrato e, principalmente, os riscos envolvidos no procedimento médico.

Segundo: facilidade na cobrança dos honorários.

Com um contrato bem feito, além de se proteger dos pedidos de devolução de valores, esse instrumento poderá instruir uma ação de cobrança, caso o paciente não quite suas obrigações.
É sempre bom lembrar que na composição do preço dos serviços, o médico pode (conforme orientações da ética profissional) incluir vários elementos, tais como: condição do paciente, notoriedade do profissional, local do procedimento, valor do procedimento.
Existem outras variantes, mas esses são os essenciais, sempre buscando a justa remuneração.
Incluir isso no preço não fere a ética profissional e não caracteriza mercantilização da atividade médica.
Com um contrato, em caso de inadimplência, você terá maiores chances de receber seus honorários, por meio de uma ação judicial de cobrança.
Importante: lembre-se que o paciente deve visar (rubricar) todas as páginas do contrato, e assinar a última, em local indicado.
Ao final do documento, devemos ter a assinatura de duas testemunhas.
As testemunhas são a garantia de que o contrato foi assinado de forma livre por ambas as partes.
Sem a assinatura dessas duas testemunhas, o contrato não poderá ser executado pelo médico, no sentido de cobrar judicialmente os honorários do paciente.

E se o médico realmente falhou em sua atividade?

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Existem algumas modalidades legais, pelas quais o médico pode ser responsabilizado em um tratamento médico.
Isso ocorre quando ele age com negligência, com imprudência ou com imperícia.

Imprudência

imprudência médica é configurada quando o médico age em determinado procedimento, sem tomar os cuidados devidos.
Age sem cautela, sem se preocupar com as consequências dos seus atos.
O médico sabe que sua atitude acarreta riscos, mas age da mesma forma.
Por exemplo, quando promove um procedimento, usando da técnica não usual e não recomendada pela literatura médica, ocasionando assim danos.

Negligência

Já a negligência é caracterizada pela passividade, pela falta de diligência adequada.
A negligência se caracteriza pela omissão.
Um exemplo clássico de negligência é médico que não promove o encaminhamento do paciente para determinado especialista, para que este promova os cuidados necessários.

Imperícia

Já a imperícia é caracterizada pela inobservância das normas técnicas exigidas.
Muitos acreditam que, no caso do médico, o desconhecimento das normas jamais poderá ser alegado.
Quando o médico não tem conhecimento técnico para dar atendimento a um paciente, é sua obrigação encaminhar ao profissional com a expertise adequada.
Contudo, esse é um assunto polêmico e muito discutido no Direito.
Muitos entendem que jamais alguém que que possui inscrição e diploma de medicina pode ser considerado imperito.
Mas, há os que defendem a imperícia médica.
Na prática, se não temos como considerar uma ação imperita do médico, cairemos na ação negligente, e o médico será responsabilizado de qualquer forma.
Eu, particularmente, não concordo com esse ponto de vista, mas isso não vem ao caso.
Não estamos falando de teorias de Direito, mas de como garantir segurança jurídica na relação médico-paciente.
Sendo assim, quando o médico tem a plena convicção de que cometeu imprudência, negligência e imperícia, deve devolver os honorários contratados?

A prevenção jurídica é a grande tendência do Direito Médico

Agora, para finalizar, precisamos falar de um tema novo e interessantíssimo para os médicos: o da prevenção jurídica.
O profissional tem que se planejar, para evitar um fenômeno vertiginosamente crescente no Direito brasileiro: a judicialização da saúde.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, houve um aumento de 130% de ações judiciais ligadas à área da saúde, entre 2008 e 2017.
O aumento é 50% maior do que o proporcional de todas os outros processos judiciais ajuizados no Brasil, no mesmo período.
É uma situação de tensão constante para o profissional de saúde, saber que a qualquer momento, pode ser vítima de um processo de um paciente.

Acordo extrajudicial: a grande ferramenta da prevenção

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Pensando o caso do médico que tem um paciente insatisfeito, penso que a melhor saída para evitar a judicialização do caso seja promover um acordo extrajudicial.
O acordo extrajudicial é um método para solução de conflitos criado para evitar ações judiciais.
Nele, você vai tratar diretamente com o cliente, negociando os termos de um acordo que fique bom para ambas as partes.
Normalmente, esse acordo é mediado pelos advogados de ambas as partes, que vão fazendo exigências, de um lado, mas abrindo concessões, de outro.
O clima não é de briga, como numa ação judicial, mas de negociação.
Ao final, o acordo é reduzido a termo, e o documento é assinado por ambas as partes.
Com um acordo extrajudicial bem redigido, evita-se a judicialização, e o médico não vira réu em processo.
Todos os desgastes inerentes a uma ação judicial serão deixados de lado, em favor do entendimento direto com o paciente.
Um acordo extrajudicial bem feito (e feito com boa-fé) é o melhor caminho para ambas as partes.
A probabilidade de um cliente ganhar uma ação de indenização, em casos em que o médico é culpado, é bastante alta.
A jurisprudência (julgados dos Tribunais) é totalmente pró-paciente, e costuma confirmar valores indenizatórios vultuosos.

O paciente ganha

O paciente ganha, porque não precisa entrar numa novela judicial contra o médico.
Novela, esta, que pode levar anos para chegar ao fim.
Só a título de exemplo: o tempo médio de um processo por erro médico, aqui em Goiás, é de 3 a 4 anos.
Isso contando só o primeiro grau, ou seja, sem julgar eventuais recursos.

O médico ganha

Para o médico, só há vantagens no acordo extrajudicial.
Ainda mais, se ele tiver agido com negligência, imprudência ou imperícia.
  • Previsibilidade: numa ação judicial, não se sabe ao certo como os juízes e tribunais irão decidir. No acordo extrajudicial, não há um juiz para decidir; vale o que for combinado com o paciente.
  • Tempo: no acordo extrajudicial, você coloca um ponto final no conflito com o paciente em pouco tempo. Já fiz acordos que demoraram menos de uma semana para serem finalizados.
  • Evitar dor de cabeça: ser parte de uma ação judicial gera um desgaste emocional muito grande, principalmente quando há audiências, que promovem o encontro com o paciente litigante.
  • Preservação da imagem: lembre-se que o processo é público e só excepcionalmente há segredo de justiça (o que pode não ser o seu caso).
Num acordo extrajudicial, não há exposição e você ainda pode acordar uma cláusula de confidencialidade, sob pena de pagamento de uma pesada multa.
  • Economia: o custo de uma ação judicial (incluindo as despesas do advogado, autenticações, custas judiciais, perícias, honorários de sucumbência, deslocamento para audiências) é muito maior do que o que você vai gastar com um advogado te auxiliando com um acordo extrajudicial.

Esteja consciente do que representam os honorários para um médico

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Um contrato de prestação de serviço bem redigido, do ponto de vista legal, obedecendo todos os ditames médicos e jurídicos, poderá lhe trazer conforto para lidar melhor com paciente insatisfeitos.
Lembre-se: os honorários médicos não são simplesmente um pagamento por uma mercadoria consumida.
Eles são a justa remuneração de uma digna profissão.
Honorários remetem à ideia de gratidão e honra, em face dos serviços prestados.
Cobrar do paciente não se remete a mercantilismo ou ganância.
Não se trata de uma mercadoria qualquer, mas de um cuidado com a vida e a saúde das pessoas.
Por isso, costumo a orientar nossos clientes de que a devolução de honorários, de forma espontânea, deve ser evitada ao máximo.
No direito, honorários médicos são considerados uma verba alimentar.
Além disso, são próprios de uma profissão que não é exercida como uma ciência exata.
Trata-se da justa remuneração de uma atividade de meio, não de resultado.
Por Luiz Fernando Ribas, advogado especializado em Direito Médico e proteção jurídica à saúde

Luiz Fernando Ribas é Advogado, com atuação especializada em Direito da Saúde e Direito Médico. Atua na defesa de médicos e instituições de saúde, em demandas voltadas para indenizações por erro médico, consultoria na elaboração de documentos e orientação para procedimentos médicos, defesa junto a órgãos administrativos e conselhos. É nosso parceiro nas demandas de Direito Médico e proteção jurídica aplicada à Saúde.


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