Direitos fundamentais também podem ser reprimidos
Por Alice Aquino e Juliana Ayello - Estamos sendo bombardeados por perguntas dos mais variados tipos: “Meu patrão pode me deixar sem salário? Podem continuar me cobrando aluguel? Como ficará a pensão alimentícia do meu filho?”.
São muitas perguntas, entretanto alguns conceitos básicos sobre direitos e sua plenitude devem ser explicados o mais rápido possível para que a população entenda que nenhum direito é pleno e isso vai afetar a sociedade agora.
Todos nós aprendemos em certo momento da vida de que temos direitos e podemos exercê-los. Entretanto, nenhum dos nossos direitos é pleno (ou seja, vale contra tudo e todos).
Até porque, a cada direito corresponde um dever e, muitas vezes, deverá haver um contrabalanceamento entre ambos para se admitir qual é o momento de exigir um direito e qual é o momento de exercer um dever.
No primeiro ano da faculdade de direito, é ensinado que apesar de termos direitos, explicam que cada direito tem uma limitação, mesmo que não seja possível enxergar isso.
Para ficar mais simples a explicação, vamos usar o exemplo mais clássico possível:
- Todos temos o direito à vida, mas em caso de guerra, ele se torna um direito relativo, visto que nossa Constituição autoriza a pena de morte em caso de guerra declarada. Assim, apesar da vida ser um direito fundamental, não é intocável.
Os princípios básicos do direito preveem que todo individuo possui direitos e garantias fundamentais, os mais básicos nós conhecemos: saúde, educação, vida, liberdade e por aí vai.
Em nenhum ponto de nossas vidas, imaginamos que algum de nossos direitos serão limitados por fatores externos. Só nos damos conta de que eles não são plenos quando passamos por alguma situação que limita tudo isso.
- Outro exemplo prático, o direito a liberdade não é pleno. Rotineiramente vemos pessoas que são presas em razão de cometer um crime e serem condenadas, passando a ter sua liberdade reprimida.
Um exemplo melhor ainda sobre restrição a liberdade é o que estamos vivendo agora: o país está em quarentena devido um fator externo que visa garantir o direito à saúde das pessoas. Pela primeira vez, a saúde se tornou o direito mais protegido pelo direito e pelo Estado, todos os outros se tornaram secundários nesse momento.
Sobre esse assunto, recomendamos a leitura dese artigo: Quarentena: direito ou privilégio?
Em um ordenamento jurídico complexo como o que vivemos, de valores amplamente variáveis, a limitabilidade dos direitos fundamentais é fator essencial à própria sobrevivência das pessoas, pois é absolutamente impossível prever todas as situações de conflitos de direitos igualmente legítimos.
Isso quer dizer que mesmo que para manter e assegurar o bem estar da sociedade é necessário que direitos sejam limitados, para que o mais urgente seja preservado. É exatamente o que estamos vivendo, preservando a saúde da coletividade restringindo outros direitos.
Sabemos que não é fácil ter direitos básicos atingidos, ninguém gosta de ter o salário reduzido ou então ficar dentro de casa sem prazo determinado. Entretanto, existe muita coisa em jogo no momento, como economia, saúde, equilíbrio da sociedade e outros.
Nesse momento, todos os direitos estão sendo reavaliados e colocados em xeque. A população deve entender que muita coisa será relativizada a partir de agora, o valor da pensão alimentícia será reavaliado, contratos serão flexibilizados, cobranças serão flexibilizadas, dentre outros.
A compreensão da importância de preservação da defesa do direito à saúde de forma efetiva nesse momento gerará consequências que irão garantir o funcionamento do país no futuro. Porém, para além da saúde, visa-se proteger a vida.
O Estado chama sua população a agir solidariamente, a fim de minimizar os efeitos da disseminação do vírus. Assim, podemos dizer que o direito à liberdade é restringido para que a população exerça seu dever cívico de garantir a saúde e a integridade física dos demais.
Todavia, conforme dito, as consequências serão duras e possivelmente muitas questões serão judicializadas. Afinal, não existe, atualmente, no ordenamento jurídico, previsão expressa de como agir nesse tipo de situação excepcional.
As leis estão se mostrando insuficientes e passíveis de diversas interpretações. Isso quando não estão sendo editadas novas completamente às pressas e sem a ponderação dos seus resultados.
A título de exemplo, o CDC preserva o direito do consumidor, tendo em vista sua vulnerabilidade. Porém, a proteção irrestrita aos consumidores poderá levar uma série de empresas à falência, gerando um efeito dominó nos setores da vida social.
Sendo assim, o importante é começar a ter o pensamento de que exigir do outro será complicado, muitas pessoas estão desempregadas, outras irão ficar desempregadas, a economia está em seu pior momento, então o senso de humanidade deverá ser utilizado.
Não estamos falando para deixar os seus direitos de lado, como cobrar pensão alimentícia ou uma dívida e sim de que a negociação será o melhor caminho para todos.
Há um tempo atrás esse assunto foi discutido, magistrados e desembargadores já chegaram a tocar no tema, mas ninguém chegou a imaginar que os exemplos dos livros se tornariam realidade. Não estamos vivendo uma guerra militar, mas é uma situação de calamidade que afeta a todos.
O intuito principal desse artigo é deixar claro que nesse momento muitas respostas estão comprometidas, a legislação que regra a vida do cotidiano não se adequa a situações extraordinárias como a que está ocorrendo.
Os profissionais do direito estão trabalhando para manter a população informada, entretanto nesse momento também é preciso entender que muito está em jogo e nem tudo que está na lei será aplicado nesse momento.
Muitas pessoas levarão seus problemas ao judiciário após essa pandemia, entretanto as partes devem estar conscientes de que será necessário negociar, os direitos serão flexibilizados e os magistrados já estão conscientes dessa situação futura. Por isso, comece a pensar como é estar na pele do outro, negociar será preciso para manter o equilíbrio da sociedade.
Referências
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