quarta-feira, 20 de maio de 2015

O IMPULSO DA FALA EM DETRIMENTO DA ESCUTA

Vivemos em um mundo onde as relações entre as pessoas são permeadas por uma infinidade de falas e discursos. Poderia dizer que hoje os indivíduos são paralisados por uma indigestão de palavras. Com a explosão tecnológica dos meios de comunicação, o impulso da fala ganhou ainda mais força. Na verdade, a moderna tecnologia está determinada para o espaço da fala e dificilmente para a escuta. E quando se fala da escuta não é um simples ouvir, mas, sim, uma interação profunda entre falantes e ouvintes. Somente assim é possível ter comunicação entre as pessoas.

Aqui surge mais uma pergunta: será que toda essa maravilhosa tecnologia moderna está incrementando mais comunicação? Quando uma comunicação percorre o sentido único, dificilmente isto pode acontecer. Não é por acaso que hoje se busquem terapias do silêncio como passar os fins de semana longe do barulho urbano e em contato com a mãe natureza. No final, é um tentar desaparecer para vibrar mais intensamente a paz da própria pessoa. É essa experiência que ajuda a equilibrar o relacionamento entre o ‘eu’ e os ‘outros’, entre quem comunica e quem recebe.

Com isso, reconhece-se, a claras letras, que os meios de comunicação são simples instrumentos; e, se a gente não sabe fazer um reto uso deles, nossa existência poderá ficar condicionada de maneira negativa. Nesse sentido, existe hoje uma desproporção demasiada entre quem fala e quem escuta. Pela fala, podemos dizer que todo mundo sabe e sabe demais; os que não sabem são reduzidos a poucos. Percebo, por exemplo, que quando uma criança não quer ouvir ela cobre os ouvidos com as mãos e, às vezes, até fecha os olhos. Em seguida, ela fala sem interromper um segundo.

Creio que esta imagem demonstra nossa realidade. Um mundo, o nosso, fortalecido numa emissão torrencial de palavras que se ilude em comunicar. Uma vida ilusória de comunicação é vazia e nunca terá capacidade de levar ao verdadeiro encontro com o outro. Assim sendo, podemos afirmar que é suficiente falar continuamente para evitar a escuta. É evidente que não é necessário, como a criança faz para não ouvir, cobrindo os ouvidos com as mãos; é suficiente falar interruptamente sem ter medo. Essa invasão de palavras é o melhor paredão para não ouvir e, portanto, para não comunicar.

O importante é continuar a ‘dizer’, ‘declarar’, ‘falar’, ‘twitar’, ‘chatar’, ‘afirmar’, ‘brincar’, ‘comentar’, entre outros. Interessante é ver como essa questão traz preocupação, sobretudo no mundo intelectual. Eu li o livro ‘A arte de desaparecer - viver com discrição’, do filosofo francês Pierre Zaoui. O pensador diz o seguinte: “Apagamo-nos para que um outro mundo surja – o mundo do outro e não o meu.” Esse desaparecimento, que não é a morte, como poderíamos pensar. Mas seria evitar nosso impulso em querer sempre falar. Estamos em um mundo concentrado no ‘eu’.

No entanto, em nossa convivência, há momentos que precisamos falar e há momentos que é necessário escutar. “Todos devíamos experimentar estes momentos de invisibilidade, momentos em que nos recolhemos e simultaneamente nos oferecemos a possibilidade de sair de nós próprios, de nos desprendermos do ego, de apreciar o outro tal como é”, escreveu o filósofo. Essa experiência discreta abre a uma nova experiência de vida, que renuncia por um momento a qualquer vontade de potência. Hoje poderíamos dizer que a verdadeira potência do ser é resgatando mais o que falar o escutar.

Significa que o nosso tempo, onde todo mundo quer falar a todo custo e ninguém quer ouvir, é um tempo esvaziado que elimina cada dialética, e golpeando entre outros a mesma democracia, enquanto defensora dos direitos de todos e de todas. O nosso mundo precisa ter o prazer de saber valorizar a escuta do outro, de querer aprender no lugar de querer sempre ensinar tudo a todos. Enfim, recuperar um novo estilo de vida da discrição. Resumindo: ter o prazer que prevaleça uma pergunta no lugar de mil respostas ditas todas juntas. Porque, aprender e articular uma pergunta quer dizer aprender a fazer espaço, e aceitar que o espaço vazio seja uma disponibilidade e não um buraco para fechar. E eu, como discípulo de Jesus, aprendi o quanto foi imenso o seu ensino e testemunho: um Mestre que determinou a sua vida plena de comunicação em saber prevalentemente escutar os outros.

Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.

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