Fui surpreendido domingo passado com a notícia da morte do jornalista Walmir Botelho. Longe de Belém, senti-me impotente para fazer algo por ele. Walmir, antes de ser um grande jornalista, foi um filho de Deus que buscava respostas para a vida. Quantas vezes ele me questionou ou quis me ouvir falar sobre o sentido da vida humana. Nesses momentos, ele deixava a ironia de lado e passava a compartilhar experiências. Com aqueles olhos cheios de luz, tentava aguçar frentes de vida que lhe abrissem um futuro melhor, cheio de esperança. Percebeu que a vida mundana, por mais atraente que fosse, era ilusória e deixava, no fim, um gosto amargo na boca.
Walmir, contido na fala, tornava-se um insistente falador, quando o assunto era a nossa existência: queria saber cada vez mais sobre a verdade da vida. Toda vez que eu entrava em seu gabinete de trabalho, o veterano do jornalismo me acolhia com um largo sorriso, embora, naquele instante, estivesse tomado pela dor. Ele tinha o costume de me mostrar os livros que lia e as descobertas de suas longas leituras. Eu o chamava de ‘hard disk’ (disco rígido) de grandes dimensões, que não deixava escapar nada e tudo ficava gravado na sua cabeça. Era rigoroso com a correção dos textos. Debruçado em sua mesa, lia e relia todos os artigos que iam ser publicados.
Sempre que o via dedicado à correção, eu dizia: “Walmir, que paciência você tem em ler todos os dias esse calhamaço de papel!” Imaginem, vocês, fazer isto todos os dias, o ano inteiro. E ele me mostrava todos os artigos de uma edição do jornal O Liberal, que passavam por suas mãos. Impressionante como conseguia catar até pormenores que normalmente fugiam da minha atenção. Certamente, a longa experiência de jornalista lhe permitia discernir todos os aspectos de uma escrita até os seus detalhes, inclusive uma simples vírgula fora do seu lugar. Realmente, quando ele focava em seu trabalho, ele se tornava muito sarcástico e decisivo.
Dificilmente alguém se salvava com ele. Era muito crítico, sobretudo com a classe dirigente do país e dos estados brasileiros. Os políticos, para ele, estavam longe daquilo que deviam ser. Às vezes, surpreendia-me por certas afirmações que, até então, nunca tinha ouvido. O jornalismo que Walmir praticava era muito prático. Ele se preocupava com os destinatários da notícia, os leitores do jornal, e, por isso, fazia questão de advertir seus colegas de trabalho, principalmente os jovens jornalistas, sobre a falta de qualidade na
informação. Era natural ele pedir que os editores assistentes refizessem títulos e legendas para que a notícia ficasse mais clara.
O jornalista Felipe Melo testemunhou isso para mim, quando me avisou sobre a morte do diretor de O Liberal. “Walmir Botelho foi um chefe-professor. Com seu jeito único de ser, me ensinou o fazer jornalístico e dele aprendi a zelar pela informação coerente e objetiva, lapidando sempre o meu trabalho”, disse Felipe. Walmir, um jornalista de poucas palavras, mas de muito profissionalismo. Quem se deixava conduzir por ele, sem se magoar com seu jeito minucioso, conseguia se afirmar na carreira. Quantas vezes, Walmir me confiava sua tristeza em relação a alguns jornalistas, em particular aos mais jovens, que não conseguiam fazer uma redação à altura.
Ele sempre me dizia que a falta de leitura era o elemento que mais prejudicava uma boa redação. Eu brincava bastante com ele, sem me importunar com as suas reações. No final, eu sentia a sua total confiança em mim e, por isso, me permitia, às vezes, ir além de certos limites para chamar sua atenção. Walmir, por incrível que pareça, era também uma pessoa humilde. Ele não tinha dificuldade em se abrir comigo e contar a sua vida. Eu me sentia em perfeita sintonia com ele, tanto que pedia conselhos jornalísticos para ter respostas exaustivas e pertinentes a respeito do meu fazer jornalismo.
Quantas vezes, também como católico, ele se queixou comigo em relação aos sermões proferidos nas missas. Dizia que os padres eram prolixos, cansativos e não conclusivos. O povo, ele insistia, necessita de uma linguagem bem sucinta, prática e objetiva. Sempre afirmava que um padre tem que ser um bom comunicador e naturalmente para tanto deve ter características jornalísticas. Todas verdades. Lamento uma só coisa: não tê-lo conhecido antes. O imaginário dele era rico e isto lhe permitiu enxergar e prever coisas em nível comunicacional que somente ele obteve. Walmir vai fazer falta na redação pelo profissional que era e pela pessoa que foi.
Para me sentir mais próximo dele, celebrei a missa do sétimo dia, aqui na Itália, onde me encontro, para que Deus continue amando o Walmir com aquele amor que o gerou. A vida de Walmir Botelho é preciosa aos olhos do Senhor, não obstante as suas limitações como ser humano.
Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro.
Um comentário:
Todos nascemos ignorantes e morremos pouco sábios, mestre. A diferença é o que fazemos do curto aprendizado que fazemos na vida!
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