Depois de diferentes viagens ao longo dos anos, motociclista atinge meta de visitar todos os estados brasileiros
Cresci em Espírito Santo do Pinhal (SP) vendo meu pai amar e cuidar das motos. Contava os dias para poder ter a minha. Esse dia chegou quando experimentei o melhor gosto da vida, a estrada sobre duas rodas.
A primeira longa viagem foi com uma quatro cilindros de quase 20 anos. Conheci Argentina e Paraguai. Fui em 2001, sem celular, muito menos internet. Foi difícil até encontrar os mapas rodoviários dos outros países. Durante essa viagem conheci uma mulher que orgulhosamente me disse: "Conheço 16 estados brasileiros". Foi ali que surgiu o sonho de conhecer todos os estados brasileiros com minha moto.
Rodei por Sudeste, Nordeste e Sul priorizando o litoral. Na ida, fui pelo interior dos estados esperando a volta pelas belezas das praias. Estava enganado... A verdadeira beleza e a cultura estavam no sertão da caatinga, no seridó, no cariri, nos pampas e, principalmente, nos contrastes dos moradores locais. Conheci nordestinos muito pobres, com a maior riqueza que se busca, a alegria! São histórias das quais jamais me esquecerei.
Em um vilarejo no interior da Bahia tive que parar porque o trem estava atravessando a BR-116. Enquanto esperava, meninos vieram ver a moto. Os olhos brilhavam, adoravam o que viam. Fazia um calor fortíssimo e do outro lado da rodovia havia um trailer de lanches. Perguntei para a menina mais velha da turma, devia ter uns 12 anos, se vendiam refrigerante do outro lado e ela respondeu: "Vende, sim, senhor”. Perguntei: "Vamos tomar?" E ela me respondeu: “Mas hoje não é dia santo". Fiquei paralisado por uns instantes... "Não é mesmo, mas vocês vão tomar, e muito!” Paguei guaraná para toda a molecada. Que momento inesquecível!
Passei por Exu (PE), cidade do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Senti uma energia diferente de tudo, uma paz e um orgulho diferente de outros lugares. Realmente vale a pena vivenciar a atmosfera visitando o parque com o museu do Gonzagão e a casa em que viveu, com todos os objetos intactos.
Fé inabalável
Ainda pelo Nordeste fui notando e me encantando com o amor e fé daquele povo pelo padre Cícero Romão Batista. Por isso fui até Juazeiro do Norte (CE), onde existe a estátua do padre. É a terceira maior feita em cimento do mundo! Imponente, no alto do parque do Horto, é possível avistá-la de longe. A fé foi tomando conta do meu coração depois de tantas demonstrações que vi por parte daquele povo que, diante de tantas dificuldades, não tem muito em que acreditar ou a que se apegar, a não ser a fé.
Uma fé inabalável por um santo (ainda não canonizado) que faz até chover no sertão! Tudo lá gira em torno da religião, o que me contagiou e me fez devoto e afilhado do Padrinho Padre Cícero. De lá para cá muitas graças foram alcançadas por intermédio dele. Tanto que voltei para lá de moto outras duas vezes para pagar promessas. Uma por ter recuperado minha motocicleta roubada, outra em agradecimento pelo pedido de casamento (aceito) a minha esposa.
Rodei todos os estados nordestinos já aproveitando para acelerar por grande parte da Transamazônica (BR-230). Depois em direção ao Sul, de Fortaleza (CE) até o Chuí (RS), sempre próximo do litoral, vendo as belíssimas paisagens das praias.
Com o intuito de rodar todo o Brasil aproveitei a logística de viagens por outros países da América do Sul, para conhecer estados ainda não visitados. E não há nada mais emblemático que uma viagem até o Oiapoque (AP). Parti mais uma vez rumo ao desconhecido, passando pelos estados do Centro-Oeste e seguindo para o extremo Norte do país.
Atravessando a Rodovia Fantasma
Em Belém (PA) embarquei em uma chalana apelidada de "cheira-peido", onde dormimos em redes. Foram quatro dias e quatro noites navegando pelo rio Amazonas, vendo as auroras, os crepúsculos e todas as surpreendentes formas de vida dos ribeirinhos. Desembarquei já no Amapá e logo alcancei a Linha do Equador. Tive a sensação ímpar de rodar no Hemisfério Norte! Fui seguindo e depois dos 200 km mais difíceis da minha vida, devido à lama na estrada (BR-156) em meio à floresta na época das chuvas, finalmente cheguei ao Oiapoque. É muito gratificante olhar para as fotos em cada extremo desse país continental.
Faltavam ainda os estados do Norte. Não por acaso, uma vez que são os mais difíceis para transitar devido às péssimas condições das rodovias. Depois de conhecer o distante Acre, ainda faltava o mais complicado de se atravessar, tanto pelo imenso tamanho quanto pelas rodovias abandonadas há décadas, o estado do Amazonas. Logo que atravessei a balsa do rio Madeira e entrei na maior floresta do mundo, enquanto procurava a placa da divisa dos estados, conheci Marcos Tito, garimpeiro de Uberlândia (MG), que há 16 anos saiu de casa com o sonho de "enricar" e nunca mais teve contato com a família. Ele me pediu para avisar a família que não havia morrido! Gravei um vídeo, com a autorização dele, e coloquei na internet, mas não obtive nenhuma resposta de familiares.
A temida BR-319 tem mais de 600 km ainda em terra, sem nenhum tipo de apoio oficial, com um trecho de quase 500 km sem nada, nem mesmo combustível. Não à toa é conhecida como "Rodovia Fantasma". Há vários relatos de aventureiros que não obtiveram êxito em atravessá-la, ficando no meio do caminho por causa de acidentes (alguns fatais), problemas de saúde, ou até falta de respeito com a cruel estrada, ela é quem manda.
Levei três dias para rodar os quase 900 km entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM). É emocionante estar no meio daquela mata gigantesca, vendo animais selvagens e pessoas que sobrevivem diariamente aos perigos que ela apresenta. Uma delas, após ver meu sofrimento devido ao pó e ao calor, me ofereceu água. Evidentemente aceitei quando ele me ofereceu uma garrafa pet congelada. Agradeci, e o homem me disse algo inesperado: "Preciso de outra garrafa". Naquele instante me dei conta do valor que uma simples garrafa plástica de dois litros tinha para aquele bravo homem.
Encontro com os índios
Bastante ansioso, parti para Boa Vista (RR). Peguei estradas boas até a reserva indígena dos Waimiri Atroari, na qual fica a divisa de estados e, consequentemente, encontrei a placa que faltava na minha coleção de fotos. Há quase 130 km de estrada federal sob fiscalização dos índios. Não se pode parar, filmar, nem mesmo fotografar a reserva. Mas por tudo que venci até chegar ali tomei a liberdade de tirar uma foto da placa (e não da reserva).
Enquanto me preparava surgiu de dentro da mata um índio e três indiozinhos: "O que está fazendo aqui?" Tentei sensibilizá-lo com minha história, mas fui interrompido com um "proibido, vá embora!" Disparei algumas selfies com a placa, o que deixou o índio irritado. Ele veio tentando tomar o celular, uma sensação bastante delicada e tensa que piorou ainda mais quando os três indiozinhos começaram a gritar no dialeto deles. Com uma longa conversa e guloseimas que ofereci o índio finalmente cedeu e me permitiu fotografar a placa. Até tirou uma foto minha! E pela segunda vez ultrapassei a linha do Equador e chorei dentro do capacete.
Voltei à Manaus, onde embarquei em um navio e, após 36 horas, cheguei a Santarém (PA). Segui pela lendária Transamazônica por quase 500 km de estrada de chão até o Tocantins, onde na BR-153 (Transbrasiliana) encerrei minha meta com o Distrito Federal, indo aos principais pontos turísticos. De lá, voltei para o lugar de onde saí, a garagem da minha casa, em Espírito Santo do Pinhal. Por trás do guidão da minha moto vi coisas que nunca tinha visto, senti cheiros que nunca havia sentido e cheguei exatamente onde queria chegar. Senti tristezas, mas muitas alegrias. Fiz as mais sinceras amizades, para a vida toda, em minutos de conversa. Venci tantos medos, resolvi tantos problemas, me emocionei, dei risadas, fiquei com raiva, sofri. Mas não há dinheiro que pague a realização!
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