Beber e dirigir é, desde logo uma infração administrativa (Código de Trânsito, art. 165). Com base na experiência, sabe-se que álcool e direção de veículo não combinam (porque gera muitos danos e muitas mortes). No Brasil (que tem uma das 12 legislações mais rigorosas do mundo) ninguém está autorizado a beber e dirigir, porque isso representa um perigo para todos. A infração administrativa significa quase R$ 2 mil de multa, um ano sem carteira e apreensão do veículo.
Beber e dirigir de forma anormal (ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, passar sinal vermelho, bater em outro veículo dirigir muito lentamente etc) é crime (CT, art. 306), porque agora o motorista comprova não só que bebeu, mas que isso: que dirigia sob a influência de bebida, que significa alteração da capacidade psicomotora. Uma coisa, portanto, é beber e dirigir sem nenhuma influência do álcool (isso é infração administrativa). Outra distinta é beber e dirigir sob a influência do álcool, porém, não presumida, comprovada efetivamente com uma condução anormal. Não podemos confundir a condução etílica (infração administrativa) com a condução sob a influência etílica (crime).
No campo criminal, em virtude de sanção prevista (prisão, de 6 meses a 3 anos), não podemos trabalhar com presunções abstratas (isso se faz no campo do direito administrativo). No campo penal temos sempre que provar um efetivo (real) perigo.
O efetivo perigo exigido pelo art. 306 está na forma de dirigir o veículo (direção anormal), sem necessidade de nenhuma vítima concreta (uma pessoa quase foi atropelada, um carro que quase foi atingido etc). Tecnicamente isso se chama crime de perigo abstrato de perigosidade real (o motorista tem que revelar objetivamente, empiricamente, uma condução perigosa: ziguezague, contramão, etc). Se isso não acontece, enquadra-se na infração administrativa. Comprovando-se a perigosidade real prova-se, ao mesmo tempo, uma diminuição da segurança viária. Diminuição concreta, real (não presumida).
De qualquer modo, quem bebe e dirige não escapa (se surpreendido pelas autoridades e seus agentes). Os jornalistas, radialistas e secretários da "mão de ferro", fazem á noite o que reprovam na manhã seguinte. Porque muitos humanos se dividem em dois: a pessoa que ele é (o filho, o pai, o agente social que é) e o papel que ele cumpre. Eles conseguem separar o teatro da vida. Vivem de uma maneira e,no palco, atuam de outra forma. É um humano e um personagem.
Fonte: Luiz Flávio Gomes - Jurista e diretor presidente do Instituto Avante Brasil e Professor - LFG /Jornal Diário da Amazônia
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