Reflexões acerca de eventual emenda à Constituição para que a eleição presidencial seja direta no caso de vacância do cargo após dois anos de mandato
Após a divulgação de gravação de conversa entre o Presidente da República e um empresário investigado que acabara de se tornar colaborador premiado, o impeachment voltou a ser um assunto em pauta. E, junto com o assunto impeachment, vieram os pedidos de eleições diretas, ou, no bordão das manifestações de rua: DIRETAS JÁ.
O problema para a realização de eleições diretas agora é que a Constituição Federal prevê, no § 1º do seu artigo 81, que vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República “nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional”.
Diante de tal dispositivo constitucional, volta a ganhar a força proposta de emenda constitucional já em trâmite no Congresso Nacional, para que tal eleição passe a ser direta.
Antes, porém, de sair às ruas empunhando a bandeira das DIRETAS JÁ, penso que o cidadão deva lembrar que a Constituição é o instrumento jurídico que impõe limites ao poder político. E há de se ter cautela ao permitir que o poder político altere as normas que o controlam, especialmente quando essas alterações são propostas em momentos de instabilidade política.
No caso da proposta de emenda que tornaria direta a eleição hoje prevista para ser indireta, não se pode dizer que a Constituição impeça tal alteração. Não impede.
Ocorre que, alterar um dispositivo constitucional, quando se está diante da possibilidade real de aplicá-lo, gera, sem dúvida, mais instabilidade política. Ao contrário disso, a rigorosa aplicação da Constituição nesses momentos de crise favorece um valor muito caro às sociedades civilizadas: a segurança jurídica.
Porque ao buscar na Constituição a saída para a crise, tem-se um mínimo de previsibilidade. Com isso, as instituições se fortalecem. Ao revés, se, diante da crise, altera-se a Constituição, é como se Constituição não houvesse, e passa a prevalecer o (des) equilíbrio de forças do momento. Sem previsibilidade, sem segurança.
No momento, estão em andamento processos jurídico-políticos que podem levar a mudanças graves na distribuição de poder político, tais como: uma ação no Tribunal Superior Eleitoral, na iminência de ser julgada, que pode cassar o presidente da República; vários pedidos de impeachment protocolados, com potencial para serem aprovados; as investigações em curso, com a abertura de inquérito para que o presidente da República seja investigado, podendo inclusive provocar sua renúncia.
Pode ser que, apesar desses processos terem se iniciado, nenhum deles leve à vacância da Presidência da República. Mas, é certo que, caso a vacância aconteça, a Constituição já prevê o modo pelo qual será definida a próxima pessoa a exercer a presidência.
Emendar a Constituição nesse ponto, às pressas, com os processos acima referidos já em andamento, significa abrir mão da segurança jurídica, ampliando-se a instabilidade política que o país atravessa.
Nem entro aqui na discussão se a composição atual do Congresso Nacional teria legitimidade para tratar do assunto, pelo fato de haver vários parlamentares sob suspeita. Mesmo porque, seja para alterar a Constituição, seja para eleger, em eleição indireta, o Presidente da República, os parlamentares serão os mesmos.
Concluo, assim, que, embora seja sempre atraente a ideia de que o povo decida pelo voto direto os destinos do país, mudar a Constituição agora seria uma medida casuística, danosa para a segurança jurídica, e, por via de consequência, para a já abalada estabilidade política do país.
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