sexta-feira, 21 de novembro de 2014

ESPUMAS FLUTUANTES DE UMA EMBLEMÁTICA IGUALDADE RACIAL

Nada mais apropriado do que os dizeres do poeta e escritor Castro Alves ─ “Oh! Bendito o que semeia /Livros... livros à mão cheia... /E manda o povo pensar! /O livro caindo n'alma /É germe -- que faz a palma, /É chuva -- que faz o mar” ─ para iniciar a apresentação deste texto sobre o ‘Dia da Consciência Negra’.
Sinceramente e me perdoem todos os pensadores contemporâneos que discordam de minhas elucubrações. Entretanto, me sinto muita a vontade para falar deste assunto, pois sou negra, economicamente desfavorecida, nordestina e mulher. Praticamente integrante de todas as formas de preconceito, discriminação e exclusão. E, sempre os que se consideram poderosos por ter uma pele clara e cabelos claros nem que seja por processos químicos ainda se sentem no direito não somente em ofender e estigmatizar os diferentes, mas culpa-los por tal situação degradante.
É difícil e quase inumano em pleno século XXI o ser humano está tão longe de uma evolução significativa e de sociedade de fato democrática e com oportunidades igualitárias para todos. Para mim, que experimentei e ainda vivo todas as formas de discriminação e preconceitos, ora por cor da pele, ora por fazer parte do quadro de docentes de um determinado curso, mas tendo formação diferente, mesmo sendo de áreas afins.
Enfim, desde criança e agora na vida adulta não vejo mudanças significativas em relação à Consciência Coletiva de que somos todos iguais. As pessoas devem ser respeitadas pela sua alma e não por sua aparência ou preferências.
A mim parece que o mais importante de uma Consciência Negra ou Coletiva seja explicar a necessidade de inserir em um grupo ou em indivíduos isoladamente novos princípios morais, sociais ou regras de comportamento e de atitudes diante de determinadas situações da vida cotidiana.
Por ser nosso idioma rico em possibilidades e combinações, as pessoas talvez não tenham percebido ou valorizado o real significado deste termo e nem estejam necessariamente preocupadas ou interessadas em formar uma consciência coletiva a respeito de algum tema específico da sociedade ou da comunidade em que vivem e muito menos sobre outro indivíduo de pele negra.
Em sociedade, no coletivo, em público ou em reuniões de trabalho estes indivíduos brancos que se sentem donos do poder, revestem-se da máscara da Igualdade Social. Infelizmente isso é apenas da boca para fora e em momento específico, que precisam parecer generosos, magnânimos e desprendidos de preconceitos, estigmas e discriminação. Somente isso, nada mais e não se iludam, pois, quem é Negro sabe, no dia a dia, que tudo é diferente. Não existe igualdade. E os merecimentos estão atrelados a outros fatores que nada tem a ver com competência, conhecimento ou habilidade técnica.
Arrisco, aqui, um desafio, a partir de uma frase que está escrita em uma das paredes do campus de Rondonópolis da federal mato-grossense: - “Onde está o negro”. Há dias está frase tem me instigado. Já, havia percebido que, apesar das cotas raciais e de todos os esforços dos Movimentos Negros inserir o negro nos espaços acadêmicos de ensino superior, eles continuam quase inexistentes.
São raros, como também o são os professores negros e o pior de tudo: − Negros competentes com currículos acadêmico-científicos conceituadíssimos, pesquisadores inteligentes, íntegros e competentes sendo menosprezados e relegados simplesmente a sala de aula e somente as disciplinas de cursos de graduação.
É muito difícil o(a) negro(a) professor efetivo da UFMT (falo desta instituição por ser a qual trabalho) sendo requisitado para outras funções ou participações em cursos de pós-graduação e muito menos para gerenciar algum departamento, coordenação ou instituto, quem diria, para pró-reitoria ou reitoria. Neste ponto, orgulho-me de minha querida Salvador, Bahia, onde temos uma reitora negra em uma instituição pública de ensino superior.
Desafio lançado para quem quiser: realizar uma pesquisa científica para saber onde estão os negros do Campus de Rondonópolis da Universidade Federal de Mato Grosso. O que está acontecendo com as cotas raciais destinadas aos Negros? Por que em pleno século XXI preciso refletir sobre questões raciais em mundo de dimensões intercontinentais, com um quadro evolutivo em várias áreas das Ciências Exatas, Médicas, Cognitivas e Tecnológicas? Onde estão os negros de nosso Brasil varonil? Melhor ainda: Qual a situação dos negros brasileiros após 126 anos da Proclamação da Abolição da Escravatura?
Foi em busca de contribuir um pouco para o esclarecimento desta questão que me debrucei neste texto em uma tentativa de explicar este termo ou conduzir à luz de um maior entendimento da questão racial.
Aproprio-me ainda dos versos de Castro Alves para concluir meu raciocínio: “Por isso na impaciência /Desta sede de saber, /Como as aves do deserto -- /As almas buscam beber...”.
Vou além, acredito que na interjeição destes versos esteja também um desejo inconfesso de povoar a mente das pessoas e seu ambiente social, possibilitando o aprofundamento e maior visibilidade de questões tão cruciais para a formação humana e sedimentação de uma sociedade, de fato, democrática em todos os setores e que a igualdade racial não seja apenas “pano de fundo” para discursos inconsistentes de políticos e outras entidades que não se sintam integralmente comprometidos com as questões da desigualdade social, humana, cultural, educacional e informacional de uma nação, que, há séculos, convive com as diferenças e os estigmas que discriminam pessoas, grupos, culturas por causa da cor da pele ou dos cabelos enrolados e desobedientes à ação do vento e dos movimentos corporais.
É sabido que, a estratificação social influencia dramaticamente no processo de estigmatização de indivíduos, bem como, a hierarquia social afeta profundamente o grau no qual o individuo negro experimentará o estigma. Assim como, não podemos subtrair a historicidade que determina a discriminação e a opressão, efetivamente reduzindo as oportunidades e as expectativas de vida dos negros em virtude de uma Ideologia da Democracia Racial que proclama a invisibilidade social do negro.
O discurso predominante e enraizado da homogeneização humana está tão impregnado que até os próprios negros negam sua cor ou se revestem de uma mestiçagem e branqueamento para se sentirem integrantes desta sociedade dita democrática e igualitária.
É uma instigante discussão muito mais sobre a condição humana do que simplesmente raça, gênero e ideologias, por alguém que de fato e ainda marcada pelas lombadas da vida por sua cor de pele e condição social. Alguém que vive cotidianamente o preconceito, o estigma e a discriminação. E, assim sendo, preocupa-se com a formação humana e a capacidade de interpretação e argumentação de cidadãos capazes de pensar e gestar seu próprio destino. É isso: - Qual o papel do Negro nos espaços sociais, educacionais, empresariais, políticos etc.?
Fonte: EDILEUSA REGINA PENA DA SILVA - jornalista, relações públicas, mestre em Ciência da Informação, doutora em Ciências Sociais e professora Adjunto III da Universidade Federal de Mato Grosso. Mas, indiscutivelmente, Mulher e Negra. edileusapena@hotmail.com

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