domingo, 23 de novembro de 2014

DIVINA MAGISTRATURA

Luciana Tamburini, a heroína 
Nos botequins da vida, a verve histriônica do povo afirma que metade dos juízes no Brasil imagina que é Deus e a outra metade tem certeza que é. O fato real é que Luciana Tamburini, uma humilde agente de trânsito do Rio de Janeiro, de uma hora para outra, se converteu em uma celebridade nacional por se envolver em uma insólita questão com um juiz de Direito.

Uma blitz da lei Seca ocorreu no Leblon, em fevereiro de 2011. O juiz conduzia uma Land Rover sem placas e não tinha carteira de habilitação. Luciana, na condição de  agente de trânsito, informou ao motorista faltoso que o veículo teria de ser apreendido e levado ao depósito do Detran. O juiz exigiu como se estivesse em condições de exigir - que o carro fosse levado para uma delegacia. Ambos acabaram sendo levados para a 14º DP (Leblon), onde o caso foi registrado. A agente foi denunciada pois teria dito na ocasião, que "juiz não é Deus". Aí que a coisa pegou. Talvez se tivesse dito qualquer outra coisa teria passado livre, mas ela cometeu o sacrilégio de duvidar da divindade do magistrado.

O fato ocorreu em 2011 e agora saiu a sentença: a agente deve indenizar em R$ 5 mil, por "danos morais" (?1), o juiz. O gozado é que ele cometeu uma dupla infração de trânsito e a moça, julgada por um tribunal corporativista e tribalista, se transformou em ré, fato que indignou a opinião pública nacional, que construiu um montante acima de R$ 40 mil para que ela não tenha que suportar o peso dessa gritante injustiça. É o caso que o Direito romano já contemplou há 2 mil anos: nem tudo  é legal é justo.

Isso evidencia que certos ranços do passado, do tipo "você sabe com quem está falando?", ainda proliferam, infelizmente, em nosso meio. O brasileiro sempre adorou criar "semideuses", gerando uma arrogância solerte, levada a efeito por militares, gerentes de banco, médicos, padres, fiscais de magistrados, que, com o tempo, se diluiu e hoje ocorre em raros e lamentáveis incidentes como o do Leblon. O poder de um cargo deve ser como o confronto com um faixa preta. Não é preciso anunciar: quando o cara vê, está no chão... Eu tenho amigos que militaram no Judiciário e nunca vi atitudes de deslumbramento como a ocorrida no Rio. Já vi profissionais desconformes com críticas em jornais, mas nunca algo tão radical. A crítica faz parte do processo democrático, e quem não admite está fora da realidade.

Fonte: COLABORADORES OPINAM -  Antônio Mesquita Galvão / Escrito, Filósofo e Doutro em Teologia Moral - Jornal O Estadão do Norte

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