As pessoas aguardavam na fila para serem atendidas, em silêncio, disciplinadamente. E a fila não era tão grande. Umas sete pessoas, quase todos de meia idade a idosos. Mas uma pessoa destacava-se dentre o grupo. Era um jovem, não mais que vinte e poucos anos. Cabelo abundante, negro, como suas roupas. Tatuagens em preto esparramavam-se pelo braço e pescoço. Um brinco de argolinha contrastava com o lóbulo da outra, largamente dilatado por um anel grande.
Quando chegou a vez do jovem, ele introduziu-se aflito junto à atendente:
-Preciso de um médico!
-Você já é cadastrado aqui?
-Não.
–Onde você mora? Era uma rua de um bairro próximo, mas não pertencente à circunscrição daquele local de atendimento.
- Você deverá se cadastrar em outro lugar!
- Mas aqui é mais perto!
- É, mas não pertence a nós, tem que ser no outro mesmo!
- Mas lá é mais longe...moro tão perto daqui!
- É, mas não pode.
- Mas eu moro tão perto...vou ter de andar muito se tiver de ir ao outro posto.... Onde eu reclamo?
Enquanto isso as demais pessoas da fila mudavam o ponto de apoio, de uma perna para outra, a atendente aflita pela demora. Uma senhora já bem na terceira idade, magra, alta, braços cruzados como quem busca conter-se, uma pálpebra caída (talvez pelo exaustivo exercício de dormir com um olho aberto o outro fechado), de cima de seus saltos assistia com semblante absolutamente impassível à discussão que se alongava.
- Mas não tem telefone?
- Não, não tem funcionário pra atender telefone!
- Mas onde eu reclamo?
- Sei lá, procura na internet, saúde, ouvidoria, município...!
E com a mesma brusquidão com que se postou junto ao balcão, o jovem evadiu-se com ares de urgência.
A idosa, sem adiantar o passo foi logo soltando: É... o Elvis Presley com seu topete não consegue nem andar de casa até o posto de saúde, tem preguiça pra tudo. Na minha época, o Elvis pulava, não era essa lesmura... De só se mexer na frente de um computador!
Se mordesse a língua, seria uma a menos na fila, mas a agilidade da senhora continuava a se mostrar na esgrima da comparação. E por alguns minutos a fila desfez-se. Acotovelaram-se todos junto ao balcão. E o assunto deixou de ser sobre o rapaz e se voltou para o Elvis (o que não morreu), Beatles, Elvis...e todos ali riram a valer, da alegria da paciência dobrada e conquistada ao longo de muitos anos, quando não havia tantas facilidades. Os caminhos eram percorridos a pé, mais demorados. Havia o prazer do percurso, do encontro fortuito, sem pressa, do bate-papo sem intenção, das cadeiras no final do dia na calçada ou o improviso junto ao balcão.
Que nome dar a essa tribo de vencedores sobre o tempo, o tédio e o mau humor? Não sei. Mas de longe eles ganham em jovialidade sobre as tribos de muitos jovens.
Sandra R. M. Caldas |
SANDRA REGINA MARTINS CALDAS é mestranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC/SP), jornalista e cronista. sandrarmcaldas@uol.com.br.
Publicação sugerida pela jornalista e colaboradora do Blog do Chaddad Edileusa Pena.pena.edileusaregina@gmail.com.
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