sexta-feira, 19 de setembro de 2014

E o que mais as viagens ensinaram?

Cada viagem me enriquece com ensinamentos que vou incorporando aos meus procedimentos usuais, aprimorando assim a minha maneira de viajar. Pode parecer que já sei tudo e de repente entro numa fria, por causa de uma situação que nunca tinha surgido antes mesmo depois de tantos mil quilômetros rodados. Mas, da experiência acumulada, comento aqui algumas lições bem aprendidas.

Pressa 
Aprendi  a não ter pressa. Deixo fluir a viagem sem estabelecer metas rígidas de quilometragem que devo cumprir a cada dia. Viajar com a barraca ajuda neste sentido - não tenho a menor ideia onde vou dormir cada noite. Se estou na estrada, aceito naturalmente as circunstâncias que se apresentam, enfrentando com a mesma disposição o bom tempo e  o mau tempo, o bom asfalto e a estrada de terra. Estou viajando porque quero, tenho saúde e competência para fazer o que estou fazendo, e é isso o que impota!

Ritmo
Aprendi a importância do ritmo numa viagem. Em geral, preciso de dois ou três dias para restabelecer meus padrões de sono e alerta que, na estrada, são diferentes dos padrões em que vivo na cidade. É esse também o tempo que eu levo para fazer os ajustes finos na bagagem, o tempo que levo para estabelecer uma ordem na arrumação, sobretudo na diversidade de itens na mala de tanque e nos 11 bolsos do colete. Nesses primeiros dias, vou sistematizando também a arrumação dos itens da bagagem dentro da barraca, à noite, reduzindo o caos e a perda de tempo procurando as coisas.

Humildade
Aprendi também conviver com uma boa dose de humildade, atitude que preciso ter na estrada onde sou pequeno, frágil e, sobretudo, anônimo, um motoqueiro qualquer numa velha 125 cm a tinta desbotada, descascada, enferrujada e feia, com tanta bagagem pendurada... Viajando nas estrada, não exibo nada de agressividade necessária n o tráfego da cidade, onde estou competindo com tantos outros usuários do espaço. Pelo contrário! Sabendo da minha condição, sempre dou passagem e me deixo ultrapassar humildemente, usando o acostamento para facilitar ao máximo a manobra dos veículos maiores.

Cabe aqui uma observação sobre os motoristas profissionais da estrada: sinceramente, nunca me criaram problemas, embora dirijam apressados, muitas vezes com sono ou até drogados... Quase sempre sinto simpatia da parte deles e não são raros os acenos e sorrisos.

Aprecio também o seu procedimento correto de sinalizar suas intenções de manobras, com os faróis, piscas ou buzinas, incluindo gestos de solidariedade como aviso da blitz á frente, sinalizando com o piscar dos faróis altos.

No entanto, fico apreensivo perto dos automóveis, conduzidos por viajantes ocasionais, os chamados domingueiros, mais propenso ao excesso de velocidade, às barbeiragens e à imprudência.

A estrada da vida
Aprendi o valor do contato íntimo com a natureza, para o corpo e para a alma. Viajando nas estradas do Brasil, nunca deixo de ficar impressionado com o show da vida. Mesmo em viagens de muitos mil quilômetros, não importa para onde, a cada quilômetro, cada metro, estou sempre cercado de vida. À primeira vista, vida vegetal. Mas, se paro a moto para descansar ou acampar, logo se manifesta a vida animal, seja na forma de insetos, seja na forma de pequenos répteis, seja na forma dos inúmeros pássaros que povoam o nosso céu.

Rádio
Aprendi que o rádio é uma boa companhia nas horas passadas na barraca. Gosto de sintonizar as estações AM, principalmente de manhã cedo, no meio rural, quando me divirto com o linguajar característico da região onde estou. Uma curiosidade é o grande número de estações em espanhol quando estou no sul do Brasil, indicando a proximidade das nossas  fronteiras com a América Hispânica.

Interação
Aprendi a admirar o fato de estar conectado, pela rede de estradas interligadas, com todos os outros países da América do Sul. É emocionante saber que aquele pequeno cilindro de 125 cc que abriga o vai-e-vem de um pequeno pistão, poderá me levar a qualquer destino no nosso continente, onde ouver gasolina à venda e estrada à frente!

Coragem
Aprendi a dar uma resposta às inúmeras pessoas que me abordam com a frase: "Mas que coragem! A minha resposta é: "Coragem é a sua de ver a vida passar dentro de casa! Como é que você tem coragem de gastar a vida desse jeito"?

Coração de viajante
Aprendi a grande verdade sobre as viagens, tão bem expressada nesse texto da filosofia Zen, com o qual eu fecho esse manual:

"Um dia podemos descobrir que toda viagem é, de algum modo, uma peregrinação em busca de um lugar que é o coração do viajante. Seu destino final é a sua realdade interior. Mas, faz parte do ritual a busca em lugares distantes, onde o seu coração sempre vai desejoso de um encontro que nem sempre acontece".

Pensamento Zen

Fonte: Trecho do Livro "Manual do Viajante Solitário" de autoria de José Albano - Terra Luz Editorial / Fortaleza-CE



OBS: Este maravilhoso Livro foi dado emprestado à minha pessoa pelo Amigo e motociclista Paulo Simplício.

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