quinta-feira, 11 de setembro de 2014

É crime usar cerol nas pipas?

As pipas, também conhecidas como papagaio, raia ou pandorga são um brinquedo que voa com base na oposição entre a força física do vento e a da corda segurada por uma pessoa. Surgiu na China antiga, cerca de 3.000 anos atrás, com intuito militar, utilizando como sinalizador. Atualmente as pipas têm finalidade recreativa e ornamental, sendo uma brincadeira apreciada por crianças e adultos. Nos meses de férias escolares, essa prática é frequente. Mas a diversão tem sido em se realizar confrontos entre pipas, ou seja, o objetivo é "cortar" (daí a origem do cortante), ou seja, derrubar a pipa do outro. Para tanto, utilizam-se do famigerado cerol ou cortante, colocado nas linhas das pipas.

O cerol é o nome dado à mistura de cola com vidro moído ou limalha de ferro (pó de ferro), que á aplicado nas linhas que são utilizadas para erguer as pipas. É importante frisar, também, sobre a linha chilena, que chega a cortar quatro vezes mais do que a linha com cerol. A linha chilena é feita a partir do quartzo moído e óxido de alumínio.

Essa "brincadeira" pode ser extremamente perigosa, pois quando a linha está totalmente esticada, dificilmente tem-se a visão da mesma e, ao passar em velocidade (ou não) por ela, funcionará como uma perfeita "guilhotina", um instrumento perfurocortante, podendo produzir lesões perfuroincisas de grande profundidade. São inúmeros os casos de lesões corporais e até morte de motociclistas, ciclistas, transeuntes e animais que são simplesmente degolados ao terem a linha enroscada em seu corpo.

Com relação à conduta de vender ou expor a venda o cerol feito entendemos que estará caracterizado o crime previsto no artigo 7º Inciso IX da Lei nº 8.137 de 1990, que dispõe in verbis: Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo: IX - Vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer  forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo. Pena - detenção de 2 (dois a 5 (cinco) anos, ou multa.

Com todas as vênias, entendemos que se trata de norma penal em branco homogênea heterovitelinea, ou seja, com relação ao elemento normativo "em condições impróprias ao consumo" busca seu  complemento em norma do mesmo escalão hierárquico extrapenal, no caso, a Lei nº 8.078 de 1990, o Código de Defesa do Consumidor, especificamente o artigo 18, § 6º, II, que determina: São impróprios ao uso e consumo: II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação. Grifo nosso.

Assim, entendemos que o cerol e a linha chilena são produtos nocivos à vida ou à saúde, e acima de tudo, extremamente perigosos. É um crime de perigo abstrato, basta a prática das condutas e, por essa razão é que recentemente, tem sido divulgado na grande mídia, a prisão em flagrantes de alguns comerciantes, que estavam vendendo o expondo à venda o famigerado cerol. Lembramos o artigo 132 do Código Penal, que determina in verbis: Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Fonte: Claudio Suzuki & Hans Braga - Os autores são advogados, especialistas em Direito Penal - Jornal Alto Madeira

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