Com o advento da Lei 13.245/16, grandes discussões surgiram em torno do verdadeiro formato do inquérito policial e os limites de atuação do causídico na defesa do investigado. Isso porque alguns viram, na alteração gerada no art. 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados, um novo formato para um inquérito policial que passaria de uma ferramenta inquisitorial para um modelo acusatório. Em que pese defender um inquérito com viés democratizado, pautado no respeito às garantias individuais do cidadão, seja ele investigado ou não, não vislumbro tamanha transformação nessa inovação legal.
Segundo a novel redação do art. 7º, XXI do EOAB, ao advogado compete o direito de “assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos”.
A legislação alterada coloca a figura do advogado como um agente mais atuante na fase pré-processual, podendo inclusive fazer perguntas no bojo das investigações. Se antes não era dado o direito ao advogado de participar diretamente da produção da prova por meio de quesitos, atualmente, com a inovação legal, não só trata-se de um mero direito do advogado e, consequentemente, do investigado, mas, sobretudo, de uma prerrogativa legal cujo não atendimento pode implicar em consequências sérias nos procedimentos produzidos, sendo passível de responsabilização da autoridade policial responsável.
Todavia, urge destacar que, em que pese o surgimento de uma voz mais ativa dos causídicos, toda quesitação passa sob o crivo do responsável pela investigação, cabendo à autoridade policial (ou outro representante de órgão com poder para tanto), proceder com a análise da pertinência ou não dos questionamentos propostos, conforme entendimento exaurido da interpretação sistêmica do art. 188 do CPP.
No que tange a um eventual poder requisitório do advogado da parte, nota-se que a alínea b, do citado dispositivo legal sofreu veto, não dando ao causídico tamanha possibilidade, fato este que reforça ainda mais a tese de que o inquérito ainda manteve sua inquisitoriedade essencial.
Destaca-se ainda que, mesmo possuindo o poder de atuar independente de formalização de procuração, conforme disposto no art. 7º, XIV do EOAB, quando diante de investigações cujo sigilo da investigação foi judicialmente decretado o acesso aos advogados ao inquérito deverá ser precedido da necessária autorização judicial, conforme entendimento exaurido da interpretação do art. 7º, § 10 do EOAB, bem como se encontra claro no bojo do art. 23 da Lei 12.850/13, que cuida das organizações criminosas.
Ademais, nos termos do disposto na Súmula Vinculante nº 14, o acesso do causídico aos autos, por mais amplo que possa ser, em respeito, sobretudo, ao princípio da ampla defesa, não pode se mostrar incompatível com a produção de provas que ainda estão em andamento e não foram devidamente documentadas e juntadas aos autos pois, do contrário, estar-se-ia retirando todo a possibilidade de êxito de investigações embasadas, por exemplo, em pedidos cautelares como interceptações ou buscas domiciliares.
De todo o exposto, resta evidente que o investigado faz jus ao acompanhamento de um advogado, tendo este, de forma geral, ampla possibilidade de produção de prova. No entanto, em que pese essa ênfase dada ao papel do advogado no bojo do inquérito (ou outro tipo de procedimento pré-processual de investigação) sua figura continua sendo uma faculdade, não sendo obrigatório o acompanhamento do advogado ao cliente investigado nem mesmo durante a lavratura de um auto de prisão em flagrante.
Faz-se mister, todavia, ressaltar a o quão importante a presença do mesmo pode representar para as investigações criminais já que, estando devidamente acompanhado de seu causídico, todos os atos praticados no inquérito acabam ganhando um viés a mais de legitimidade, não se admitindo que falas ainda tão utilizadas pela defesa, como eventuais “torturas” sofridas pelo investigado nas delegacias, deixem de ser uma opção considerada de argumento defensivo.
Assim, carregando os procedimentos de credibilidade, uma maior garantia aos direitos do investigado não deve ser vista como um retrocesso no poder investigativo policial, mas ao contrário, como ferramenta para possibilitar um maior valor probatório a tudo que é produzido na fase pré-processual.
Por fim, destaca-se que o legislador, ao propor as citadas alterações noEOAB, fez menção às expressões “investigações de qualquer natureza” ao invés de se limitar ao termo “inquérito policial”, conforme redação presente no art. 7º, XIV do referido diploma. Isso implica que dizer que não só nas delegacias o acesso aos advogados deve ser permitido, mas também quando diante de procedimentos de natureza cíveis ou administrativos, bem como na atuação criminal decorrente da lavratura de um termo circunstanciado de ocorrência.
No mesmo dispositivo, também optou por utilizar a expressão “qualquer instituição responsável por conduzir investigação” já que, diante do posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca do poder de investigação do Ministério Público, por exemplo, diversos procedimentos investigatórios criminais, os famosos PIC’s, têm sido instaurados no interior das Promotorias, sem que um controle mais rígido sobre eles possa ser exercido, bem como esteja estabelecidos critérios claros para se justificar que referido fato seja investigado pelo Ministério Público.
Na referida decisão tomada pelo pleno no corpo do RE 593.7270, datada de 14 de maio de 2015, proferida em apertada votação, o Ministro Marco Aurélio, voto vencido, manifestou que “o que se mostra inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar. Sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório”. Todavia, segundo o entendimento prevalecente, respeitados os direito garantido pela Constituição, tal investigação deve ser considerada legítima.
Nesse ponto, deixo uma pergunta proposta pelos Ilustres Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa: “com essa decisão, acabaram os problemas da investigação preliminar?” Nesse mesmo viés crítico, proponho a seguinte reflexão: será que nesses novos ambientes investigativos, cujo acesso ao advogado, enquanto garantia da ampla defesa, encontra-se muito aquém do estabelecido pelas novas diretrizes propostas pela Lei 13.245/16 e, consequentemente, dos ditames constitucionais, não se estaria violando as garantias da ampla defesa e do contraditório, bem como a proposta de um sistema processual acusatório?
Postas estas reflexões à tona, e tendo em vista a vasta discussão que aqui não consigo exaurir, resta a afirmação de que, independente do local onde a investigação esteja sendo promovida, a presença do advogado é extremamente relevante, em que pese não obrigatória, para atuar como uma ferramenta de garantia de legitimidade do procedimento confeccionado.
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