sábado, 9 de dezembro de 2017

O SILÊNCIO DO ABANDONO

A vida é um meandro, cheia de curvas, que reserva muitas vezes surpresas e abandonos. Quantos sofrimentos, incompreensões, lágrimas na vida do ser humano! Parece em certas ocasiões que até Deus o tenha abandonado. Mas a gente se pergunta: “Será que Deus abandona a sua melhor obra, que é o ser humano?”, ou “será que Deus é tão insensível em relação às provas da vida do ser humano?”. O salmo 73 das Sagradas Escrituras nos dá uma resposta a tudo isso:

"Por que, Senhor, persistis em nos rejeitar? Por que se inflama vossa ira contra as ovelhas de vosso rebanho? Recordai-vos de vosso povo que elegestes outrora, da tribo que resgatastes para vossa possessão, da montanha de Sião onde fizestes vossa morada. Dirigi vossos passos a estes lugares definitivamente devastados; o inimigo tudo destruiu no santuário. Os adversários rugiam no local de vossas assembleias, como troféus hastearam suas bandeiras. Pareciam homens a vibrar o machado na floresta espessa. Rebentaram os portais do templo com malhos e martelos, atearam fogo ao vosso santuário, profanaram, arrasaram a morada do vosso nome. Disseram em seus corações: Destruamo-los todos juntos; incendiai todos os lugares santos da terra. Não vemos mais nossos emblemas, já não há nenhum profeta e ninguém entre nós que saiba até quando... Ó Deus, até quando nos insultará o inimigo? O adversário blasfemará vosso nome para sempre? Por que retirais a vossa mão? Por que guardais vossa destra em vosso seio? Entretanto, Deus é meu rei desde os tempos antigos, ele que opera a salvação por toda a terra. Vosso poder abriu o mar, esmagastes nas águas as cabeças de dragões. Quebrastes as cabeças do Leviatã, e asdestes como pasto aos monstros do mar. Fizestes jorrar fontes e torrentes, secastes rios caudalosos. Vosso é o dia, a noite vos pertence: vós criastes a lua e o sol, vós marcastes à terra seus confins, estabelecestes o inverno e o verão. Lembrai-vos: o inimigo vos insultou, Senhor, e um povo insensato ultrajou o vosso nome. Não abandoneis ao abutre a vida de vossa pomba, não esqueçais para sempre a vida de vossos pobres. Olhai para a vossa aliança, porque todos os recantos da terra são antros de violência. Que os oprimidos não voltem confundidos, que o pobre e o indigente possam louvar o vosso nome. Levantai-vos, ó Deus, defendei a vossa causa. Lembrai-vos das blasfêmias que continuamente vos dirige o insensato. Não olvideis os insultos de vossos adversários, e o tumulto crescente dos que se insurgem contra vós."

Este salmo é marcado pela tristeza do abandono e do poder esmagador dos que perseguem os que acreditam em Deus. Ele é dividido em duas situações: o silêncio de Deus de uma parte e da outra o silêncio da morte e da destruição do Templo de Deus. A partir dos versículos de 1 a 9, focaliza-se a lamentação sobre a destruição do Templo. O inimigo com a sua arrogância destruidora parecia ser superior à presença de Deus no seu Templo. Os inimigos não tinham piedade de nada e de ninguém: tudo destruíam. E o pior, é que ninguém sabe até quando vai todo esse esmagamento.

Depois disso, o salmo se concentra nos versículos de 10 a 23 em uma oração incessante a Deus para que possa intervir a favor do justo. E o fiel salmista relembra a ação universal de Deus na criação quando esmagou a prepotência dos dragões, do Leviatã, símbolos horríveis do ‘nada’. E a partir dessa potência de Deus Israel aguarda a sua intervenção em favor do seu povo. Porém, vive ansioso porque parece que Deus ainda não tomou a iniciativa. Os poderosos infiéis triunfam sobre os
fieis. Mas os fieis confiam na fidelidade de Deus. É questão de tempo.

Portanto, se de um lado tem o medo porque Deus ainda está ausente de outro lado existe a confiança que Deus pode tardar, mas não deixará de agir para salvar os seus fieis. O ‘coração’ dessa oração é aquele do silêncio de Deus na prova, no sofrimento que estão vivendo os justos. E isso poderia levar os inimigos a argumentarem, confutarem a própria existência de Deus. Ainda hoje tem aqueles que dizem, perante a tanta violência e dor, que Deus é simplesmente uma invenção dos que acreditam. Assim reage o fiel insistindo com Deus de não se deixar blasfemar, mas de intervir para comprovar que Ele é realmente Deus, Senhor da história.

Assim sendo, a oração é para romper o silêncio de Deus. Revelando que Deus é o verdadeiro dono da história humana. Está nas mãos Dele o destino da humanidade, e não dos poderosos desse mundo. A história da humanidade, por quanto possa ser abalada pelas crueldades e atrocidades, ela não é jogada no caos. É preciosa aos olhos amorosos de Deus.

Fonte: Claudio Pighin -  Sacerdote, doutor em teologia, mestrado em missiologia e comunicação.

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