quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

DEUS É MAIOR QUE A VIOLÊNCIA

A violência que assistimos no cotidiano não é fruto do acaso, mas é consequência de ação iníqua da humanidade. Uma sociedade não transparente é algo que esconde ações que deturpam a convivência. O grande mal que existe entre nós é o fato de que ninguém se acha responsável de nada e ninguém revela a verdade das coisas. Eu poderia dizer que a nossa sociedade dá preferência à mentira e se esconde por trás dela. E o fato mais relevante é que nós não sabemos enxergar tudo isso, pelo contrário, sabemos, sim, transformar a mentira em verdade. Com tudo isso, é difícil a nossa convivência. É difícil confiar um no outro e assim se gera uma situação de instabilidade que produz por sua vez frutos de violência. Como reverter uma situação como essa? As Sagradas Escrituras, com o salmo 35, nos propõem uma grande reflexão e pistas de solução. O que o salmo nos diz efetivamente?

“A iniquidade fala ao ímpio no seu coração; não existe o temor a Deus ante os seus olhos, porque ele se gloria de que sua culpa não será descoberta nem detestada por ninguém. Suas palavras são más e enganosas; renunciou a proceder sabiamente e a fazer o bem. Em seu leito, ele medita o crime, anda pelo mau caminho, não detesta o mal. Senhor, vossa bondade chega até os céus, vossa fidelidade se eleva até as nuvens. Vossa justiça é semelhante às montanhas de Deus, vossos juízos são profundos como o mar. Vós protegeis, Senhor, os homens como os animais. Como é preciosa a vossa bondade, ó Deus! À sombra de vossas asas se refugiam os filhos dos homens. Eles se saciam da abundância de vossa casa, e lhes dais de beber das torrentes de vossas delícias, porque em vós está a fonte da vida, e é na vossa luz que vemos a luz. Continuai a dar vossa bondade aos que vos honram, e a vossa justiça aos retos de coração. Não me calque o pé do orgulhoso, não me faça fugir a mão do pecador. Eis que caíram os fautores da iniquidade, foram prostrados para não mais se erguer.”

Esse salmo ressalta a lógica do iníquo que faz o mal e se sente seguro porque ninguém pode descobri-lo. A sua habilidade é de enganar, porque ninguém, segundo ele, pode saber. Somente ele. Realmente, quem pode sondar o coração do ser humano? É aqui que está a resposta da Palavra de Deus. Verdadeiramente, nenhum ser humano tem capacidade para isso, mas Deus sim. O iníquo acha que pode enganar todo mundo e que não tem ninguém além disso. Para o iníquo Deus não existe e, portanto, pode fazer o que bem querer. Mas o autor desse salmo diz que Deus enxerga tudo, nada escapa aosseus olhos. Ele, Deus, está acima de tudo, e de também dos nossos pensamentos. Deus enxerga até as nossas intenções.

O salmista assim nos apresenta a humanidade: um resultado de iniquidade e de inocência, de ódio e de amor, de blasfêmia e de oração. À crueldade da violência das pessoas iníquas se opõe a potência da bondade do Senhor Deus, luz que apaga as trevas do mal. Para apresentar tudo isso, o salmista articula o hino em duas partes. A primeira parte é onde o ímpio promove estratégia de pecado, de mal. De fato, diz o salmista que “a iniquidade fala ao ímpio no seu coração”. Existe a palavra de Deus e a palavra diabólica. A malvadez faz uma só coisa com o maldoso que se alimenta somente de coisas ruins e adora a si mesmo.

Esse hino pretende exaltar assim a bondade divina que se opõe a maldade. O fiel que segue Deus, se deixa atrair por Ele, suplica de poupa-lo do poder do orgulhoso e do pecador. Essa oração desse fiel manifesta o grande amor de Deus que é fonte de vida e salvação. A experiência de Deus enriquece abundantemente a vida humana e que se traduz em olhar a luz que resplandece de Deus na oração, na escuta das Sagradas Escrituras. O papa Francisco nos convida também a fizermos esse discernimento: “A indiferença para com Deus supera a esfera íntima e espiritual da pessoa individual e investe a esfera pública e social. Com efeito, «sem uma abertura ao transcendente, o homem cai como presa fácil do relativismo e, consequentemente, torna-se-lhe difícil agir de acordo com a justiça e comprometer-se pela paz». O esquecimento e a negação de Deus, que induzem o homem a não reconhecer qualquer norma acima de si próprio e a tomar como norma apenas a si mesmo, produziram crueldade e violência sem medida. Em nível individual e comunitário, a indiferença para com o próximo – filha da indiferença para com Deus – assume as feições da inércia e da apatia, que alimentam a persistência de situações de injustiça e grave desequilíbrio social, as quais podem, por sua vez, levar a conflitos ou de qualquer modo gerar um clima de descontentamento que ameaça desembocar, mais cedo ou mais tarde, em violências e insegurança.” (Mensagem do Papa Francisco para o XLVIX Dia Mundial da Paz)

Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.


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