terça-feira, 20 de setembro de 2016

Dupla faz viagem de 18 meses pela América do Sul com R$ 5 mil no bolso

Economizaram acampando e até no café e venderam fotos durante a viagem... 


Não sabia o dia nem a hora, apenas seguia falando que ia viajar o mundo com a minha motocicleta. Sabe aquele desejo de sair pela América do Sul sem nenhuma planilha de Excel, sem nenhum patrocínio, sem colete, só com uma vontade gigante de ser livre? Pois é, conseguimos… Ao menos por um tempo.

A 4 500 m de altitude na estrada que chega à Laguna Miscanti, com muita neve e frio

A insatisfação com a rotina, o triste trabalho em escritório e a vida social em uma cidade como São Paulo nos obriga a pensar em algo para ser mais feliz, e a solução foi andar de moto por toda América. O plano era em um ano fazer Ushuaia ao Alaska, eu com uma Yamaha Ténéré 250 e o Fabio Marques (o Batata) com uma Honda XRE.

Na ponta da Pedra do Coyote, em San Pedro de Atacama

Muita coisa mudou, pois o plano era “não seguir planos”. Assim que entramos no Uruguai já não sabíamos o que fazer, estávamos livres, éramos desbravadores, forasteiros e estrangeiros, com cerca de R$ 5 000 no bolso. A falta de planejamento às vezes nos dava muita sorte, mas também muitos problemas. 
Ficamos no camping de Santa Teresa, no Uruguai, lugar lindo, mas quando fomos comer nos assustamos, era tudo muito caro, o que nos obrigou a voltar para o Brasil no outro dia e comprar alguns mantimentos. Ficamos lá três dias e depois seguimos para Punta Del Diablo, Montevideo, Colonia del Sacramento, Dolores e Frai Bento. Ao todo foram 15 dias lá e depois chegamos à Argentina.

Cordilheira dos Andes, chegando em Calafete, Argentina, pela Ruta 40

Para conseguir mais dinheiro, eu levei fotos 10x15 do Brasil e as vendia nos postos de gasolina. Até dava algum dinheiro. Fizemos também canecas, um amigo que tinha um bar em São Paulo vendeu lanches e nos dava metade do lucro, enfim o dinheiro durou até Santiago do Chile.
Foi preciso muita criatividade e muitos fracassos para conseguir ficar 18 meses viajando. Atravessamos toda Argentina economizando muito dinheiro, pois dormíamos em postos de gasolina com a barraca ou em casas de famílias que íamos conhecendo na estrada.

Caminho entre Puno e Cusco, no Peru

Na Argentina, Uruguai e Chile, os viajantes são algo especial e, assim, encontram boa estrutura. Por exemplo, todo posto YPF na Argentina tem wi-fi de boa qualidade e ninguém pede pra você comprar nada, é só pedir a senha e “listo!”.
Chegamos no começo de março em Ushuaia e ficamos lá por quatro dias, acampados no camping municipal (de graça) ao lado de um rio com água limpa e do trem do fim do mundo.
Estávamos com apenas 150 pesos, sendo que assim que chegamos fomos tomar um café, mas desistimos quando vimos que custavam 50 pesos cada um. O proprietário viu que nos faltava dinheiro e nos deu dois cafés quentes mais um saco de pão, e essa foi a boa comida do Ushuaia que experimentamos.

Ojos del Salar, uma vila no deserto mais seco do mundo, onde eu morei por três meses com a Ténéré

As barracas que tínhamos não eram para tanto frio e, como era impossível dormir durante a noite, passávamos a noite toda fazendo fogueira e, assim que saía o sol, dormíamos um pouco. Depois de passar mais de um mês só na Tierra del Fuego queríamos sair do frio e do vento da Patagônia o mais rápido possível.
Decidimos subir pela Ruta 40 para conhecer El Calafate, Bariloche e a famosa Ruta de los Siete Lagos, onde eu me apaixonei pelo povoado de San Martin de Los Andes — um lugar simples, com sete lagos maravilhosos muito próximos um do outro.

Ruta 5, Chile. Encontramos este alemão com sua moto de 125 cm³. Viajamos por quatro dias juntos 

Ali já tínhamos um clima muito melhor e decidimos ficar por uns cinco dias. Em um trecho de terra no meio do nada chegamos em um povoado que se chama Gobernador Gregores.
E foi assim que neste dia eu completei 27 anos: com pouco dinheiro para comemorar, numa barraca em um posto de gasolina, acompanhado de três mulheres de Israel que faziam mochilão e meu melhor amigo. Acima de nós, um céu superestrelado... e eu com um sorrisão na cara.

 A famosa foto no fim do mundo, em Ushuaia, Argentina

Enfim entramos no Chile e toda a nossa vida mudou ali. Ficamos uma semana em Temuco na casa do Rodrigo, motociclista chileno que nos conheceu na estrada e nos convidou para ficar lá. Depois ficamos mais uma semana em Santiago, na casa de amigos que conhecemos no sul do Chile.
Em Santiago, eu e o Batata ficamos sem dinheiro. Tentamos vender canecas ou fotos no Brasil, mas já não valia a pena. O dólar estava muito caro e, com muito esforço, ganhamos uns R$ 300, o que não chegava a sequer US$ 100. 
Decidimos seguir viagem com pouco dinheiro até Antofagasta, ali o nosso amigo Raphael Girelli (Expedição Lost Lander) nos deu o contato do diretor do estádio e conseguimos ficar de graça ali. Além disso, conseguimos trabalho de maestro em elétrica no próprio estádio, que estava em obra. Fechamos R$ 80 por dia cada um para trabalhar 13 h/dia mais sábado e domingo, estes com hora extra.

Pausa rápida em Puerto Madryn, na região patagônica da Argentina

Trabalhamos muito, saímos em duas reportagens na televisão chilena, enfim, foi tudo ótimo. Até que chegou o primeiro grande problema: o Batata perdeu a carteira nos últimos dias de trabalho, incluindo sua CNH. Tivemos que sair do estádio e alugamos um quarto no centro para esperar a CNH do Batata chegar.
Tentamos procurar outro trabalho, mas sem sucesso. O dinheiro ia acabando e o limite de dias para ficar no Chile também. Nos últimos dias eu consegui um trabalho em uma termelétrica, e o Batata decidiu voltar ao Brasil. 
O trabalho não deu certo e em uma semana eu voltei a ficar sem trabalho, e sozinho. Comecei a enviar email para vários hostels em San Pedro de Atacama, e um deles me respondeu dizendo que precisava de um recepcionista. Em três dias sai da cidade de Antofagasta e cheguei em San Pedro de Atacama. Trabalhei lá por três meses e consegui juntar um bom dinheiro para seguir viagem. 

Camping no forte de Santa Teresa, no Uruguai 

Além do trabalho na recepção do Hostel Backpackers, eu vendia caipirinha no bar, virei guia turístico levando a galera na moto ou como tradutor,  vendi fotos para o hostel, editei dois pequenos vídeos de San Pedro onde eu também ganhei um dinheiro, enfim, trabalhei demais e sempre muito feliz com minha vida.
Saindo de San Pedro fui para o Peru, onde trabalhei em Cusco por um mês no Hostel Milhouse e também fazia dinheiro vendendo tour pra Machu pichu. O Peru é complicado, fui roubado pela polícia, passei frio demais com a altura, mas é a coisa mais linda que já vi: estradas com muita curvas e paisagens maravilhosas. O Equador conheci pouco, fiquei cerca de 12 dias, sendo que cinco foram em Montanita, uma praia linda que tem lá.

Enfim, chegando em Bogotá, na Colômbia

Enfim cheguei à Colômbia, passei uma semana em Cali desfrutando a linda salsa típica do local e depois segui para Salento, na região do café. No dia 26/12 estava em Medellín. Fiquei ali por dois meses trabalhando no Hostel Arcadia.
A Colômbia é um país muito barato e, principalmente na região de Antioquia, o povo é muito carinhoso. Decidi voltar ao Brasil ali, a saudade apertava e eu já não podia mais aguentar.
Com a fronteira da Venezuela fechada tive que seguir para a fria cidade de Bogotá e pegar um avião com a moto para Leticia e em seguida um barco para Manaus. Uma semana em Bogotá e estava tudo pronto. Desci do avião e já peguei a moto. Comprei a passagem do barco e uma rede para dormir as cinco noites. Alí, no meio do rio Amazonas, completei 28 anos.

Uma das pontes da BR-319. Desafio!

De Manaus, AM, ganhei apoio do Genghis Souza, do MG 100% Amazônia, e do MC Ajuricabas, onde colhi todas as informações necessárias para enfrentar a famosa BR-319 que liga Manaus a Porto Velho. A pior estrada da minha vida, foram mais de vinte quedas com a moto, 900 km em três dias, sendo que 500 km são de pura lama.

Minha situação na BR-319, perto da fazenda dos Catarinas 

Enfim, cheguei a Porto Velho na famosa Toca do Papa-Léguas e, em mais um mês de estrada, estava chegando a minha casa em Santo André, SP. Hoje vejo que realizei a viagem mais longa em moto de um brasileiro pela América do Sul que se tem notícia. E certamente foi a melhor coisa que poderia ter feito da minha vida!

Fonte: Relato e fotos pelo motociclista Glauber Leite de Santo André/SP - Rock Riders.



3 comentários:

SIRLEI disse...

QUE LINDA AVENTURA ADOREI

BR.WYLE disse...

Parabéns companheiro pela conquista.

Anônimo disse...

Parabéns, que aventura inspiradora, realmente uma grande conquista, vontade de muitos, coragem de poucos, abraço irmãos

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