O papa Francisco nos fala como viver a Quaresma esse ano: “A Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo, tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto quando ouvimos a Palavra de Deus e recebemos os sacramentos, nomeadamente, a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos naquilo que recebemos: o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações; porque, quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, n'Ele, um não olha com indiferença o outro. ‘Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria’” (1 Cor 12, 26).
Por esse caminho, nasce a transparência humana de superar a indiferença. Nesta Quaresma, queremos intensificar a nossa participação na escola de vida, que é o seguimento de Jesus de Nazaré, o qual nos convida a rever, com os olhos fixos nele, o nosso cotidiano, e repô-lo possivelmente em discussão. É aqui que surge uma verdadeira comunicação, exatamente a partir do nosso interior. Uma comunicação, portanto, motivada, que visa o desejo de fazer a experiência do encontro que exalta a vida. Isto significa, também, que não temos certezas, senão de reconhecer a necessidade de ser perdoados e amados pelo nosso Deus.
Quem alimenta esta consciência é porque faz da sua existência uma total doação. É daí que se fundamenta uma profunda comunicação, que não é superficial, mas existencial. E isto conduz a se questionar continuamente. Qual é a sabedoria do ser humano, senão reconhecer que a sua vida tem um início e um fim? Quem de nós pode determinar ou modificar essa trajetória? Quem pode impedir o seu cumprimento? Todas perguntas mais que legítimas. Por quanto a inteligência do ser humano possa produzir, nunca poderá se dar certezas absolutas, porque a sua natureza é finita, tem um fim.
Dessa forma, a partir do finito, buscamos uma resposta infinita que nasce na escola superior da oração, da caridade e do jejum. Essa lógica do perdão, aparentemente derrotada, falida, é a única arma que nos pode fazer esperar além das nossas capacidades, enquanto representa a simplicidade de coração da criatura humana de Deus. Fora desse contexto, creio que seja impossível construir experiências de total certeza. Por isso que o nosso grande Santo Agostinho achava que a Quaresma é o símbolo da vida do ser humano. De fato, ele considerava que toda a nossa vida é uma prova, isto é, uma Quaresma.
Creio que daí pode se alimentar uma sábia comunicação, purificando-a com constantes exercícios de interiorização, típicos da Quaresma. Uma sábia comunicação passa pelas dimensões da oração, do jejum e da caridade. Essa caminhada não isola a pessoa, mas, pelo contrário, a aproxima mais dos
outros. Infelizmente, eu tenho de admitir que hoje em dia se torna difícil fazer uma experiência quaresmal. Tenho de reconhecer, ao mesmo tempo, que talvez nem todo mundo concorde com isso. Nesse sentido, me permito perguntar: o que você pensa? A quaresma é interessante, é importante? É útil, é possível? Pode nos ajudar também a melhorar a nossa comunicação? A superar a indiferença globalizada?
O papa Paulo VI dizia que “a Quaresma teve, ao longo dos séculos e nos vários países, formas diferentes de atuação, e aos nossos tempos perdeu não pouco das suas exigências e das suas explicações, especialmente por quanto se relaciona a observância ascética, que era a característica, isto é, o jejum (reduzido agora a dois dias somente e mais a abstinência: dia de quarta-feira de Cinzas, e a Sexta-feira Santa, e com cada sexta-feira a abstinência)”. Continua o papa Paulo VI: “Porém, não se perdeu, podemos bem dizer, a sua necessidade, se é verdade que a vida cristã precisa de recolhimento, de silêncio, de meditação, de interioridade, de conversão e de reforma contínua, de oração, de penitência, de física ascética, de sentido místico; e ainda mais do despertar da consciência cristã...”.
Assim sendo, não temos dificuldade de reconhecer o quanto é importante e inspiradora a quaresma para nos ajudar a fazer uma mudança de vida. Se formos examinar o porquê dos nossos fracassos comunicativos e da indiferença humana, vamos simplesmente constatar que na base de tudo isso está a falta de interiorização; que a Quaresma sabe muito bem propiciar através dos seus exercícios e em particular pela campanha da fraternidade.
Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação. Email: clpighin@claudio-pighin.net
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