Usando motos locais, rodaram pelas estradas da cadeia de montanhas mais alta do mundo
Texto e fotos: Rômulo Provetti
O amigo Rafael Barata foi quem me convidou para a viagem de moto pelo Norte da Índia, onde percorreríamos algumas das estradas mais incríveis do mundo na Cordilheira do Himalaia. Achei a ideia maluca, principalmente por causa dos custos, que calculava estarem fora da minha realidade financeira.
Depois de estudarmos o assunto e levantarmos as principais despesas (passagens aéreas e aluguel das motos) descobri que a viagem seria viável e que poderíamos fazer durante minhas férias do trabalho por um custo muito abaixo do que imaginava. Topei o desafio e passamos os meses seguintes estudando o clima e as estradas, definindo rotas, escolhendo lugares para conhecer, relacionando equipamentos necessários e opções de hospedagem.
A preparação foi física e mental, também tomamos vacinas e providenciamos os vistos e documentos para a viagem. Com a ajuda de Ankur, um amigo motociclista indiano que conhecemos pela internet, alugamos duas Royal Enfield, uma do modelo Classic e outra do modelo Bullet, ambas de 350cc.
Foram 17 meses de planejamento até embarcarmos no avião em Belo Horizonte (MG), com escalas em Guarulhos (SP) e Dubai, para desembarcarmos em Nova Delhi, capital da Índia, onde as motos estavam prontas nos esperando. Depois de enfrentarmos o trânsito maluco das ruas e avenidas da cidade, finalmente iniciamos nossa jornada pelas estradas indianas.
Passamos pelos estados de Delhi, Chandigarh e Himachal Pradesh e chegamos a uma cidade chamada Manali, considerada a porta de entrada para o Himalaia e que fica a menos de 300 km do Tibete. A partir dali subimos as montanhas por estradas estreitas, cheias de curvas e tendo que tomar muito cuidado com os exóticos, coloridos e lentos caminhões indianos.
Também dividimos a estrada com animais que a todo momento encontrávamos na pista, como vacas, macacos e até um dromedário. E sempre que nos aproximávamos das cidades e vilas tínhamos que compartilhar a estrada com pessoas, bicicletas, riquixás (carroça puxada por pessoa), pequenas motos com até quatro pessoas sem capacete e tuk-tuks, aqueles triciclos cobertos para transporte de passageiros.
Conhecemos monumentos budistas tibetanos em paisagens deslumbrantes, sentimos calor e frio intensos, pegamos chuva, percorremos estradas em ziguezague pelas encostas de montanhas que pareciam não acabar, levando-nos a altitudes onde a exposição à baixa pressão e falta de oxigênio dificultava respiração e movimentos.
Zona militarizada
Chegamos ao estado indiano de Jammu & Kashmir, onde está o Vale da Caxemira, uma região fascinante que há décadas é disputada por Índia, China e Paquistão devido a questões econômicas e religiosas.
A maioria dos hindus e muçulmanos que encontramos durante a viagem mantém uma convivência pacífica, mas o estado de constante tensão entre os países faz com que a região seja uma das mais militarizadas do mundo. Estivemos a apenas 18 km da fronteira com o Paquistão, mas não saímos da Índia.
Tivemos que passar por inúmeras barreiras de controle do exército e apresentar nossos documentos várias vezes em curtos percursos, sem contar um comboio militar com centenas de veículos que encontramos em uma estrada estreita e cheia de curvas. Contratempos que atrasaram a viagem e nos fizeram chegar à noite aos destinos.
Apesar de todo o receio de uma guerra ou atentado terrorista, fomos bem recebidos por todos que encontramos durante a viagem, compartilhamos a mesa com hindus e muçulmanos, e até pernoitamos na casa deles, oportunidade para conhecer um pouco dos hábitos e costumes.
Outro grupo religioso que nos chamou a atenção foram os sikhs, exóticos aos nossos olhos por causa dos turbantes, longas barbas e roupas, que encontramos em quase todos os lugares onde fomos. São a maioria da população do estado do Punjab.
Algumas das estradas que percorremos eram muito mais difíceis do que prevíamos, porque eram íngremes, cobertas com cascalho, pedra, areia e lama ou então eram cortadas por riachos formados pelo degelo da neve, que desciam do alto das montanhas. O avanço em quilometragem era lento e demoramos mais tempo do que havíamos planejado.
Teve dia em que gastamos nove horas para percorrer apenas 51 km. Além das dificuldades com a estrada, tivemos raios de uma roda quebrados, pneu furado e várias quedas, daquelas com a moto devagar, mas inevitáveis por causa das condições do piso.
Boa parte do roteiro acompanhava o leito de um rio que corria por estreitos vales cercados por imensas montanhas. A estrada cortava as faces das montanhas, às vezes próximas ao rio e às vezes centenas de metros acima do leito, fazendo com que em um dos lados víssemos imensas rochas e do outro o profundo precipício.
Em alguns trechos a estrada era literalmente cortada na rocha, como uma caverna, mas com um dos lados aberto para o despenhadeiro, descortinando um cenário ao mesmo tempo grandioso e desafiador, que nos impunha assombro, respeito e deslumbramento.
A noite nas montanhas era fria e a aridez ao redor compensada pela visão de um céu limpo, sem nuvens, poluição ou claridade das luzes das cidades. Não havia nada que pudesse ofuscar o brilho das infinitas estrelas que cintilavam sobre nossas cabeças.
Difícil encontrar adjetivos que possam descrever o que encontramos, conhecemos e sentimos durante esta viagem. Andamos pelas ruas de Nova Delhi com seu comércio movimentado, vimos milhares de pessoas exóticas e experimentamos a comida indiana temperada e picante, rica em ervas e vegetais, de aroma marcante, grande diversidade de ingredientes e receitas.
Conhecemos alguns dos monumentos mais significativos daquele país, como Red Fort e Agra Fort, ambos dotados de grossas paredes cobertas com arenito vermelho, que lhes dá uma cor forte e característica. Também fomos a parques, praças e outros monumentos históricos, como Índia Gate e Humayun Tomb.
Mas o principal marco da nossa viagem foi a visita que fizemos ao Taj Mahal, o mais famoso mausoléu do planeta, construído por um imperador descendente de Gengis Khan em homenagem à esposa preferida, morta ao dar à luz. Um passeio que nos emocionou não só pela beleza do lugar, seu valor histórico e artístico, mas também pela mística que o envolve.
Desde o início da viagem nos surpreendemos com a diversidade racial, religiosa, étnica, linguística, social, econômica e política do país, que tem mais de 1 bilhão de habitantes. O povo, suas crenças, hábitos e costumes nos encantaram. Apesar das dificuldades que enfrentamos na estrada, a Índia é um país incrível para uma viagem de moto.
Fonte: Revista Duas Rodas.
Um comentário:
SURREAL.....
Algo mágico a ser feito....
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