No mês de março foi comentário geral nas redes sociais o decreto nº 40.798/2021 publicado em 26 de março deste ano pelo Governo de Sergipe, em especial o seu artigo 3º, inciso II, que trata da requisição de bens móveis e imóveis privados para o auxílio do combate ao Covid-19.
Porém, muitos comentários foram feitos de forma equivocada, como por exemplo o artigo de opinião do jornalista Augusto Nunes ao "R7 Notícias" onde afirma que o "Governador de Sergipe quer abolir a propriedade privada", ou outros tantos nas redes sociais com o mesmo tom e erro.
Estes, assim como o jornalista, confundem a requisição administrativa com a expropriação legal, sendo esta última aplicada somente em casos específicos de atos ilegais.
Então, para dirimir algumas dúvidas trazemos este artigo explicando de forma geral, as modalidades de intervenção do Estado na propriedade privada.
1 . Servidão Administrativa
A servidão administrativa é o ônus real de uso imposto pela Administração Pública à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário.
Lembrando que a servidão administrativa não deve ser confundida com a passagem forçada, prevista no art. 1.285 do Código Civil.
São características da servidão administrativa:
A natureza jurídica é de direito real;
Incide somente sobre bem imóvel;
Tem caráter de definitividade;
A indenização é prévia, e condicionada à existência de prejuízo;
Não possui autoexecutoriedade - depende de acordo ou sentença judicial.
2 . Requisição Administrativa
Prevista no artigo 5º, inciso XXV da Constituição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias.
São características da requisição administrativa:
É direito pessoal da Administração Pública;
Pressupõe perigo público iminente;
Incide sobre bens móveis, imóveis e serviços;
Tem caráter transitório (temporário);
A indenização é devida somente se houver dano, paga de forma ulterior.
3 . Desapropriação
É um ato administrativo pelo qual o Estado de forma compulsória, transforma um bem imóvel ou móvel privado em público, desde que, é claro, haja a indenização prévia e justa, que via de regra se faz em dinheiro, salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF, art. 182 § 4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária no caso de reforma agrária, por interesse social (CF, art. 184)”.
4 . Tombamento
Previsto no artigo 216, § 1º da CF, tombamento é a restrição parcial ao direito de propriedade, realizada pelo Estado com a finalidade de conservar objetos móveis e imóveis, considerados de interesse histórico, artístico, arqueológico, etnográfico ou bibliográfico relevante.
A restrição parcial do direito de propriedade, localiza-se no início de uma escala de limitações em que a desapropriação ocupa o ponto extremo.
O tombamento pode ter por objeto bens móveis e imóveis que tenham interesse cultural ou ambiental para a preservação da memória e outros referenciais coletivos em diversas escalas, desde uma que se refira a um Município, como uma em âmbito mundial. Estes bens podem ser: fotografias, livros, acervos, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, bairros, cidades, regiões, florestas, cascatas.
O conceito de tombamento encontra-se no artigo artigo 216 da Constituição:
"Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico – culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico."
O bem objeto de tombamento não terá sua propriedade alterada, nem precisará ser desapropriado, pelo contrário, porém, deverá manter as mesmas características que possuía na data do tombamento. Seu objetivo é a proibição da destruição e da descaracterização desse bem, não havendo dessa forma, qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança de um bem tombado, desde que continue sendo preservado.
Se o proprietário tiver a intenção de vender o bem, deverá previamente, notificar a instituição que efetuou o tombamento para atualizar os dados, e por ventura, exercer seu direito de preferência para a compra do bem.
5 . Limitação Administrativa
A Limitação administrativa é uma determinação geral, pela qual o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações de fazer ou de não fazer, com o fim de garantir que a propriedade atenda a sua função social.
Segundo Hely Lopes Meirelles “limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social”.
As limitações administrativas devem ser gerais, dirigidas a propriedades indistintas e gratuitamente. Para situações individualizadas de conflito com o interesse público, deve ser empregada a servidão administrativa ou a desapropriação, por meio de justa indenização.
As limitações podem atingir tanto a propriedade imóvel como o seu uso e outros bens e atividades particulares. O seu objeto é bem variado, exemplos: permissão de vistorias em elevadores de edifícios, fixação de gabaritos, ingresso de agentes para fins de vigilância sanitária, obrigação de dirigir com cinto de segurança.
Características:
a) são atos administrativos ou legislativos de caráter geral (todas as demais formas de intervenção possuem indivíduos determinados, são atos singulares);
b) têm caráter de definitividade (igual ao das servidões, mas diverso da natureza da ocupação temporária e da requisição);
c) o motivo das limitações administrativas é vinculado a interesses públicos abstratos (nas outras maneiras de intervenção, o motivo é sempre a execução de serviços públicos específicos ou obras);
d) ausência de indenização (nas demais formas, pode ocorrer indenização quando há prejuízo para o proprietário).
6 . Ocupação temporária
É a forma de intervenção pela qual o Poder Público usa transitoriamente imóveis privados, como meio de apoio à execução de obras e serviços públicos.
São também exemplos de ocupação temporária a utilização de escolas e outros estabelecimentos privados para a instalação de zonas eleitorais ou campanhas de vacinação.
Características:
a) cuida-se de direito de caráter não real (igual à requisição e diferente da servidão, que é real);
b) incide apenas sobre a propriedade imóvel (o mesmo da servidão, mas diferente da requisição, pois esta incide sobre móveis, imóveis e serviços);
c) natureza transitória (igual a requisição; a servidão, o oposto, tem caráter de permanência);
d) a situação caracterizadora da ocupação é a necessidade de realização de obras e serviços comuns (a mesma situação da servidão, mas contrária à requisição, que exige perigo público iminente);
e) indenização variável de acordo com a modalidade de ocupação. Haverá indenização se for vinculada à desapropriação, caso não seja, como regra não haverá esse dever - a menos que haja prejuízo para o proprietário (a requisição e a servidão podem ser, ou não, indenizáveis; sendo assim, igualam-se, nesse aspecto, à ocupação temporária não vinculada à desapropriação, mas se diferenciam da primeira modalidade, com desapropriação, porque esta é sempre indenizável).
Conclusão
A intervenção do Estado na propriedade privada, muda assim o seu caráter, não podendo ser concebido o interesse somente com fim a si mesma, mas aderir à necessidade para a utilização pela maioria, passando assim a sociedade aproveitar de maneira mais ampla, promovendo o bem-estar social.
Referências
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 19ª Edição. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª Edição. São Paulo : Malheiros, 2006.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 18 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
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