domingo, 29 de março de 2020

PAI E FILHO REALIZAM JUNTOS O SONHO DA GRANDE VIAGEM

 
Como a maioria dos pais da minha idade (67 anos), tenho certeza que fui negligente no acompanhamento dos meus filhos, Daniel e Juliana. Atitude “justificada” pela necessidade de trabalhar e garantir um futuro melhor. Mas hoje sei que poderia ter sido diferente.
Meu filho Daniel é muito calmo, não me lembro de ele ter agredido alguém com palavras ou fisicamente. Crítico e quase um autodidata, lê muito, e tem sua própria visão do mundo. Embora vivendo há dez anos fora do Brasil, é muito ligado aos parentes e gosta dos encontros familiares que costumo fazer todos os anos. 
Esta foi a primeira vez que viajamos apenas eu e ele, tivemos a oportunidade de nos conhecermos melhor. Hoje o entendo mais e somos ainda mais amigos. Não teria melhor companheiro de aventura do que ele.
Embora soubesse pilotar, o Dani gosta de bicicletas. Em 2018 ele voltou do Japão, e sabendo do meu sonho de fazer uma boa viagem com minha moto se dispôs a conseguir a habilitação para viajar comigo. Fiquei animado, e inicialmente pensamos em viajar no final do outono de 2018. Tivemos que postergar e decidimos adiar para o começo de 2019, após os encontros familiares do final do ano.
Montei um roteiro com pouco mais de 3.000 km e sem grandes desafios. Passaríamos por Santa Catarina, conheceríamos Foz do Iguaçu (PR), Araçatuba (SP), que é minha cidade natal, Capitólio (MG), e voltaríamos para Itatiba. 
Pedi ao Dani para sugerir um roteiro e ele veio com essa aventura de 8.500 km para conhecer o Aconcágua, próximo de Mendoza, Argentina. Fiquei assustado no início, mas como não tínhamos limitação de tempo, combinamos que faríamos uma viagem tranquila, sem pressa, aproveitando todas as boas coisas dos locais por onde passaríamos. Definimos previamente as principais paradas e outras decidimos no dia anterior ou conforme as necessidades e interesses do momento.
Saímos de Itatiba, eu com uma Honda Shadow e meu filho com uma Honda Pop 110. Passamos pela Rota da Serpente, em Apiaí (SP), e seguiríamos para a Serra da Graciosa até Morretes (PR), mas pegamos uma chuva brava e resolvemos deixar para outra oportunidade. 
Seguimos para Florianópolis (SC), adoro ostras frescas e camarão! Ainda em Santa Catarina, rumamos para a Serra do Rio do Rastro, que justifica sua fama. Depois, foi a vez de conhecer os cânions de Itaimbezinho e Fortaleza, em Cambará do Sul (RS).
Nossas motos rumaram para o Chuí (RS), na divisa com o Uruguai. Eu tinha que ir àquela cidade, pois morei em Macapá (AP) e conhecia o Oiapoque. Agora posso dizer que fui do Oiapoque ao Chuí. 
Eu me senti no Uruguai, o idioma falado era castelhano e os preços estavam em pesos. Fizemos a imigração e entramos no país vizinho. Percorremos o litoral até Punta del Este. Já havia visitado, num cruzeiro, mas de moto é muito melhor para ver aquela bela cidade. Seguimos para Montevidéu e, depois, Colônia do Sacramento, para fazer a travessia a Buenos Aires, Argentina. 
No barco, durante a travessia, a Pop foi atração. No meio das motos grandes, incrédulos motociclistas tiraram até selfies montados na caçulinha.
Buenos Aires, sempre bom visitá-la. Ficamos numa bela casa de família que alugamos pelo aplicativo Airbnb. Na casa, havia uma excelente parrilha (churrasqueira), prontamente fomos comprar boas carnes e vinhos, e nos deliciamos com os novos amigos anfitriões. 
Seguimos para Mendoza, mas dessa vez não fui visitar as ótimas vinícolas da região. Em Termas de Cacheuta conhecemos as piscinas de águas termais a 40°C, rodeadas pelos Andes, lindo demais. Esse foi um dos melhores momentos da viagem.
Sempre que possível, optamos pelo acampamento. Desde jovem, nos anos 1970, montava minha barraca no litoral paulista em Bertioga, Perequê, Caraguatatuba, Ubatuba e, principalmente, em Ilha Bela.
Foi uma excelente oportunidade, pois o Dani também gosta de acampar quando viaja de bicicleta. Montar a barraca, fazer uma comidinha simples no fogareiro de gravetos, apreciar nascer e pôr do sol, e dormir debaixo de um céu estrelado, que não se vê nas grandes cidades.
Nosso ritmo de viagem era bem tranquilo, rodávamos em média 400 km por dia. Nossa velocidade era, em média, de 80 km/h, porque respeitamos as limitações da Pop. Na Argentina, mesmo existindo uma grande malha de postos YPF, a motoneta teve uma pane seca, mas foi por nosso descuido. Encontramos uma casa onde o proprietário nos cedeu um pedaço de mangueira do chuveiro e o problema foi resolvido transferindo gasolina do tanque da Shadow.
A Pop não fez feio na viagem, mas se houver uma próxima aventura, vou sugerir ao Dani uma moto maior, que será mais confortável. Seguimos viagem para Uspallata, pequena e charmosa vila já próxima do Parque Provincial Aconcágua. Depois continuamos rumo ao pico mais alto da América Latina, com 6.962 metros de altitude. No trajeto, passamos por Potrerillos e Puente del Inca para, por fim, chegarmos ao destino. 
Difícil expressar em palavras minha felicidade e a sensação de meta atingida. Mas nem tudo eram flores, tínhamos planejado acampar no parque, porém ficamos sabendo que precisávamos ter solicitado a licença em Mendoza. Hoje, também me arrependo de não ter ido até o Chile para conhecer os Caracoles, estávamos tão perto...
Voltamos desapontados para Uspallata, mas teríamos coisas boas pela frente. Começamos o caminho de volta, seguindo para Mendoza pelo El Camino de las 365 Curvas. Já havia feito de carro, mas descer aquela estrada de rípio de moto foi incrível. Algumas manadas de guanacos que surgiam pelo caminho trouxeram ainda mais emoção no trajeto. 
De Mendoza seguimos para Santa Fé, depois Corrientes e Paso de la Pátria. Ficamos alguns dias pescando dourados, devidamente devolvidos ao rio. Também capturamos outros peixes que o barqueiro nos preparou de forma rudimentar na barranca do rio, acompanhados de cervejas Quilmes bem geladas. Seguimos sentido Puerto Iguazú, para o retorno ao Brasil por Foz do Iguaçu (PR). 
Já havia passado por Foz duas vezes, mas não conhecia as cataratas, então valeu a pena assistir ao espetáculo. Seguimos para Maringá (PR), onde tenho uma irmã, depois para Araçatuba, a fim de rever os amigos e minha querida sogrinha. Passamos o Carnaval com meus amigos e retornamos para casa ainda mais unidos, agora nos conhecendo ainda melhor.


             

Fonte: Ricardo Hirose - Revista Duas Rodas.


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