Em um futuro não muito distante, duas pessoas colidem com seus veículos voadores movidos à energia solar. O acidente é imediatamente identificado pelo sistema de trânsito, que rapidamente desloca um drone de atendimento. Por meio de seus relógios ou óculos, os envolvidos apresentam suas queixas e o drone, depois de escanear os veículos, as pessoas e os demais detalhes ambientais, dá a sentença, que aparece no relógio digital ou óculos de ambos os envolvidos no acidente e, após uma nova possibilidade de julgamento pelo computador central, pode ser alterada ou não e, a seguir, há o imediato débito da conta-corrente do culpado o valor devido pelo conserto do veículo em favor do prejudicado.
A história contada poderia ter sido extraída de uma obra de fantasia futurista, é certo. Porém, o fato mais distante da realidade encontrado nela, segundo os analistas de tecnologia, são os veículos voadores. A inteligência artificial tem avançado a passos largos e pode substituir diversas funções humanas, repetitivas ou não.
Por conseguinte, a pergunta que se põe é: tomando por base os avanços da tecnologia, seria exagero afirmar que juízes, advogados, policiais e demais profissionais do Direito possam ser substituídos por computadores e robôs dotados de inteligência artificial?
Vejam-se as pesquisas com carros autônomos, cujo objetivo é que tais veículos sejam eficientes para tomar decisões sozinhos. Deep Blue venceu Gary Kasparov no xadrez e AlphaGo venceu o milenar jogo Go (tido como o mais complexo do mundo). Estão sendo desenvolvidos androides que fazem diagnósticos médicos com extrema precisão (Jack, desenvolvido pela Faculdade de Medicina Jichi, por exemplo), já existem computadores com essa aptidão.
Na seara jurídica, já é ampla a notícia de programas de computador voltados à automação de diversas atividades jurídicas, antes praticadas por profissionais bacharéis em Direito. Um exemplo é o boot Ross (disponível em <www.rossinteligence.com>), baseado na plataforma Watson (IBM), desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto. Esse assistente pode analisar um número enorme de documentos e sugerir soluções jurídicas, além de alertar para possíveis impasses que possam surgir na condução da causa.
Além disso, há softwares capazes de redigir petições complexas, serviço que é oferecido por empresas especializadas em automação de procedimentos, como noticiado em diversos meios de comunicação (por exemplo, na Revista Exame).
Muitos órgãos públicos contam com sistemas informatizados para o ajuizamento de causas, como execuções fiscais. No campo da segurança pública, serviços de monitoramento extremamente sofisticados, que seriam utilizados em situações militares, estão sendo adaptados para a patrulha de cidades. É de ampla divulgação as notícias sobre robôs capacitados para atividades de risco aos humanos (como desarmamento de bombas, combate a incêndios e outras atividades).
É certo que a questão financeira ainda impede que muitas dessas soluções sejam acessíveis a todos os governos, empresas e escritórios de advocacia. A experiência corrente, porém, é de que, com o aporte de mais investimentos, os custos diminuam, tornando os programas acessíveis e populares (como ocorreu com o telefone celular).
Nesse debate, já muito travado, um ponto chama atenção: se, por um lado, a informatização depende, no seu atual estágio de desenvolvimento, da padronização de procedimentos (o que viabiliza reduzir o raciocínio a um enunciado lógico chamado algoritmo), de outro, parte expressiva das demandas judiciais atuais são relativas a causas repetidas (muitas vezes, idênticas).
Se, como se constata do relatório Justiça em Números de 2017 (à semelhança dos anos anteriores), grande parte das causas pode ser tratada de forma massificada – pois comportam julgamentos em bloco, e, por isso, padronizados –, realmente a automação dos procedimentos e o uso de robôs podem se mostrar como solução viável para proporcionar o rápido e barato desfecho das causas judiciais.
O efetivo impacto que a automação jurídica poderia ter é imprevisível, uma vez que pode haver redução nos quadros de profissionais (tanto no setor público quanto no privado), substituídos por robôs. Tal fato poderá, também, representar uma grande economia para governos e empresas, que terão maior previsibilidade das decisões (automatizadas) e, por outro lado, poderão liberar os profissionais do Direito para outras atuações, nas quais suas habilidades sejam mais requisitadas.
Há quem defenda que não há perigo de uma automação expressiva das atividades forenses, pois essa atividade demanda características não passíveis de serem substituídas por máquinas, como intuição, imaginação, criatividade, empatia etc., e que já há grande “automação” em causas de massa, improvisada por diversos meios. Porém, a inteligência artificial tem avançado com maior velocidade do que podemos imaginar e pode atingir outros tipos de processos que não os tipicamente massificados.
De imediato, o que se pode antecipar dessas discussões futuristas é a necessidade de se pensar o Direito por um outro enfoque, a fim de dar às demandas de massa um tratamento mais adequado e, ao Poder Judiciário, meios de tutelar diversos outros conflitos de interesse, que não são devidamente atendidos por conta do congestionamento atual de feitos.
Ademais, conceber estudos para que juristas possam orientar – ou até mesmo tornarem-se – programadores, com o objetivo de desenvolver softwarespautados no melhor do Direito e da Ética. E, caso tais softwares se popularizem, que haja meios de controle de sua qualidade e segurança, para evitar que algoritmos incorretos ou viciados causem enormes prejuízos às partes.
Acreditar que as alterações do futuro não nos atingirão não nos protege de mudanças. Devemos encarar com seriedade as análises dos técnicos especializados, antecipar as tendências e atuar para o futuro, de forma que os problemas do Direito não sejam resolvidos por outros especialistas, ou pelo drone policial/julgador/executor da nossa historinha inicial.
Fonte: Nathaly Campitelli Roque - Jus Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário