-Enquanto uma apaixonada defensora das palavras, me esforço para ouvir o que elas têm a dizer
"As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis", proferiu Umberto Eco, em tom apocalíptico, ao lamentar que bons foram os tempos em que besteiras e mentiras ficavam só numa mesa de bar e eram caldas, junto com a noite, sem prejuízos à coletividade. Hoje, porém, o estrago passou a ser gigantesco porque, junto com a era digital, vieram vozes de todos os lados, com o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel.
Vejo o pronunciamento de Eco com resalvas e concordâncias. A ressalva se refere à sua aversão ao surgimento de vozes que ecoam nas redes. Isso me lembra aquelas reações dos conservadores contra as mudanças trazidas pelo Iluminismo, no século 18, o qual defendia o conhecimento, a razão e o questionamento como valores fundamentais para a compreensão do mundo.
A minha concordância, porém, se junta à indignação de Eco; é que muitas dessas vozes parecem mais de natureza narcísica do que racional, o que as faz cair no esvaziamento das palavras, deformando-as e levando-as ao vervbicídio, que rouba uma palavra de seu contexto original para usá-la como ferramenta marqueteira na defesa de uma opinião ou de um partido. Vale esclarecer, portanto, que o problema das tantas vozes no meio digital nada tem a ver com a polifonia linguística que privilegia a presença de outros textos dentro de um texto, formando a teia discursiva, as características verbais/opinativas e a intertextualidade em busca de um contexto coeso.
No cenário atual, porém, em que as redes sociais são arenas de debate público brasileiro, as vozes inflamam, agridem e acusam, envoltas num estado de miséria conceitual das noções fundamentias das ciências, sobretudo da ciência política. Assim, palavras como liberalismo, neoliberalismo, socialismo, comunismo, fascismo, esquerda e direita são desferidas como bombas mortais para atingir o adversário.
O problema é que essas bombas em polvorosa não atingem apenas o adversário, mas a realidade como um todo, uma vez que deformar palavras é deformar a realidade. Portanto, errado o diagnóstico, errado é o remédio.
Nessa ótica, volto a Eco: não estamos apenas diante de um caso de equívoco cognitivo em larga escala. O que existe é a grande ilusão do debate público brasileiro e o ávido desjo de perencimento a uma identidade política, cujo ideal não deve ser substimado, pois havemos de convir que, em tempos de capitalismo ultracompetitivo e de individualismo exacerbado, fazer valer a vez de uma comunidade não signficia pouco. A questão é que as redes digitais - numa compulsão pelo reconhecimento que propicia a formação de grupos - transformaram quase todo mundo em militante, inclusive grandes intelectuais brasileiros.
Como fazer, então, para não cair no canto da seria do pertnciamento ilusório?
Enquanto uma apaixonada defensora das palavras, me esforço para ouvir o que elas têm a dizer. Defendo, assim, o resgate do vocabulário político das mãos dos grupos dogmáticos e dos interesses eleitorais partidários para devolvê-lo às suas realidades históricas e deseinflmar o debate narcísico, que insiste em deformar e agredir. Isso tem a ver com o respeito à lingua e à investigação cuidadosa das palavras, as quais compõem conceitos importantes que viram moda tão qual o doce predileto e, assim, conseguirmos dialogar sem precisar dissovler os antogonismos, de onde quer que venham!
Fonte: Simone Cristina Succi / Doutora em Linguística Aplicada, professora e redatora de materiais didáticos - Jornal Diário da Região.
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