A pena de morte nega o avanço da civilização, equiparando o Estado aos criminosos
Lembro sempre de meus professores. Hoje, de Sérgio Roxo da Fonseca, da honrosa Faculdade de Direito da Unesp. Ele ensina classicamente. Falando, muito bem, cheio de exemplos. Disse-nos certa feita em uma aula, que o cristianismo alterou a aplicação da penas. Antes da Idade Média, a prática do mal era resolvida aplicando-se a pena de morte. Não havia cadeia. É bem verdade, que, inicialmente foram criados os "juízos de Deus", acreditando-se que a atuação divina suspendia torturas quando se tratava de réu inocente. Eram as ordálias, como a de exigir que o acusado mergulhasse a mãonuma panela com azeito fervendo. Se fosse inocente, com certeza Deus iria intervir evitando qualquer espécie de queimadura. Há relíquias desses juízos nos museus.
Em vários países, conforme a aula do professor Roxo, se o carrasco, no primeiro momento, não conseguia matar o réu, a pena de morte era suspensa, pois a absolvição veio de Deus, afirmavam. Durante a Idade Média, padres cristãos passaram a recolher-se em monastérios, permanecendo em suas celas fazendo penitências para salvar a humanidade. Os livros ensinam que as celas dos monges e suas penitências deram origem às penitenciárias. De certo modo, essa prática influenciou e mitigou a pena capital em vários lugares, comutando-a em reclusão.
Ainda assim, critivava o professor Roxo, a pena de morte perdura em vários páises, mesmo em tempo de paz, prorrogando o espírito da Lei do Talião (olho por olho, dente por dente). Dois casos exemplicam tristemente sua aplicação nos Estados Unidos. O primeiro refere-se à condenação e execução na cadeira elétrica de dois operários italianos. Sacco e Vanzetti, acusados de homicídio. Foram executados em 1927 mesmo após outra pessoa inocentá-los. Cinquenta anos após a aplicação da pena de morte, foi reconhecido a inocência pleo governo norte-americano do Estado de Massachussetts. O segundo caso traz a exame o processo e a condenação de um casal judeu de Nova York acusado de transmitir segredos dos Estados ao Governo da União Soviética. Eram comunistas. Contra a execução, houve a manifestação de várias personalidades, entre as quais o Papa Piio XII, Einstein, Brecht e Fritz Lang. O presidente Eisenhower negou-se a comutar a pena que foi executada na Penitenciária de Sing Sing em 1953. Julius Rosemberg morreu ao sofrer a primeira descarga elétrica. Ethel, sua esposa, foi submetida a três descargas antes do óbito. As testemunhas do ato registraram que Ethel somente morreu após sair fumaça de sua cabeça. O escritor norte-americano Truman Capote condenou em obra prima a pena de morte, afirmando que, quando o Estado a executa, mata cruelmente a sangue frio. O seu livro, que foi filmado, chama-se não por acaso, "A Sangue Frio".
As execuções de morte espantam, ou deveriam espantar, o homem civilizado (aquele que conhece e concorda com o Direito Civil), e o professor Roxo apresentava sua lógica aristotélica: Neste sistema vingativo, não se pune o criminoso porque ele pecou. Nem mesmo para que não peque outra vez. Mas sim porque pecou e para não peque nunca mais, supimindo-se a vida do pecador e, obviamente, qualquer possibilidade de um recomeço; executa-se junto qualquer possível valor positivo; aniquila-se a esperança e o sentido do perdão. A pena de morte nega o avanço da civilização, equiparando o Estado aos criminosos. E em algumas vezes, o que é ainda mais grave, ao contrário do Estado, há criminosos que não matam a sangue frio.
Não é demais acentuar, portanto, que o Estado nunca pode responder na mesma moeda do criminoso, tampouco jactar-se das punições aplicadas. Como está também nos meus cadernos da faculdade - eu os guardo como joias da minha vida - a justiça é uma construção permanente da medida das coisas, cabendo ao Estado-juiz punir, sempre que necessário, conforme a lei, plasmando pelos mais altos valores humanos, e o primeiro deles é a Vida.
Fonte: Evandro Pelarin / Juiz da Infância e Juventude de Rio Preto. Jornal Diário da Região.
Nenhum comentário:
Postar um comentário