sábado, 11 de março de 2017

No amor humano, uma faísca do infinito amor de Deus

O salmo 44 proposto hoje mostra que se existe o amor, existe Deus. De fato, ele nos diz que no amor humano se discerne o amor de Deus manifestado por Deus. Assim, o amor humano se projeta ao infinito que nele é implantado. Esse salmo é um hino de um poeta do palácio real que fez pela ocasião do casamento de um rei e da sua princesa de Tiro, rica cidade comercial fenícia. Visto em chave espiritual os judeus, este salmo, interpretam teologicamente o amor místico entre Israel e o seu Deus, e para nós cristãos em foco messiânico.

“Transbordam palavras sublimes do meu coração. Ao rei dedico o meu canto. Minha língua é como o estilo de um ágil escriba. Sois belo, o mais belo dos filhos dos homens. Expande-se a graça em vossos lábios, pelo que Deus vos cumulou de bênçãos eternas. Cingi-vos com vossa espada, ó herói; ela é vosso ornamento e esplendor. Erguei-vos vitorioso em defesa da verdade e da justiça. Que vossa mão se assinale por feitos gloriosos. Aguçadas são as vossas flechas; a vós se submetem os povos; os inimigos do rei perdem o ânimo. Vosso trono, ó Deus, é eterno, de equidade é vosso cetro real. Amais a justiça e detestais o mal, pelo que o Senhor, vosso Deus, vos ungiu com óleo de alegria, preferindo-vos aos vossos iguais. Exalam vossas vestes perfume de mirra, aloés e incenso; do palácio de marfim os sons das liras vos deleitam. Filhas de reis formam vosso cortejo; posta-se à vossa direita a rainha, ornada de ouro de Ofir. Ouve, filha, vê e presta atenção: esquece o teu povo e a casa de teu pai. De tua beleza se encantará o rei; ele é teu senhor, rende-lhe homenagens. Habitantes de Tiro virão com seus presentes, próceres do povo implorarão teu favor. Toda formosa, entra a filha do rei, com vestes bordadas de ouro. Em roupagens multicores apresenta-se ao rei, após ela vos são apresentadas as virgens, suas companheiras. Levadas entre alegrias e júbilos, ingressam no palácio real. Tomarão os vossos filhos o lugar de vossos pais, vós os estabelecereis príncipes sobre toda a terra. Celebrarei vosso nome através das gerações. E os povos vos louvarão eternamente.”

Lendo o salmo, podemos perceber na primeira parte a solenidade da entronização do rei, entregando a espada como símbolo do comandante geral do exército. Logo em seguida, faz a manifestação da sua realeza sobre todo o povo. E aqui entra a cena nupcial, que quer mostrar que o rei envolvido da potência de Deus quer ser parecido ao seu Deus, amando a justiça.

Na segunda parte do salmo, o rei apela à esposa para que: “Esquece o teu povo e a casa de teu pai”. E ela acompanhada de um longo cortejo se apresenta maravilhosa e ornada de vestes reais, porque é
também filha de um rei, fazendo uma suave reverência ao marido. A esse ponto o amor humano, essa beleza criada, essa alegria, se tornam no nosso hino um sinal de Deus que é amor e beleza.

É essa experiência que leva a compreender o amor do Senhor. Portanto, é uma ação símbolo do amor divino para conosco e com toda a criação. A aliança de Deus com a humanidade é representada pelo amor nupcial humano. É o amor que salva a humanidade e a sua criação. Assim sendo, para compreender e louvar a Deus precisamos partir da realidade da história da humanidade, isto é, do seu dia a dia. A partir dessa verdade que se pode perceber e constatar que também o amor nupcial se torna uma presença do amor de Deus entre nós. De fato, na tradição, esse hino se tornou a representação do amor nupcial entre Deus e o seu povo Israel. A partir dessas reflexões, podemos entender o casamento cristão. O sacramento do matrimônio para nós católicos é o sinal eficaz da presença de Deus no amor e na história do ser humano. Esse hino enaltece através do casamento a presença de Deus. Constatar que esse amor do esposo pela esposa nos ajuda a discernir a presença do Senhor na nossa história.

A história do amor nupcial é a história do amor de Deus entre nós. E para concluir veja o que diz a respeito o papa Francisco na exortação apostólica pós-sinodal amoris lætitia: “A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a revelação plena do seu significado em Cristo e na sua Igreja. O matrimónio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até à realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19, 9)”.

Fonte: Claudio Pighin, sacerdote, jornalista italiano naturalizado brasileiro, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.

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