sábado, 18 de setembro de 2021

A era dos extremos; ou, da injustiça

As redes sociais estimulam a manifestação do pensamento, o que é naturalmente saudável. Porém observa-se um avanço de visão binária, simplificadora e excludente das coisas, principalmente, na política e em seus assuntos correlatos. O sujeito é coxinha ou é mortadela. Comunista ou conservador. Se contra o impeachment, é conivente com roubalheira; se favorável, é golpista. Se alguém defende a atuação da polícia, e fascista; se critica, é apoiador da badenrna. Tribunais soltam corruptos; para outros, no entanto, apenas cumprem a lei garantista. E por aí vai.

E nesse exercício de dualismo opositor, que ser retroalimenta, aliás, mutuamente, tem-se a sensação que o radicalismo opinativo, e somente ele, é o único reflexo de correção, de honestidade, do que é justo, de quem está ao lado certo das coisas, de quem deseja o bem comum. ASlguns acontecimentos importantes, na seara do Direito, contudo, parecem apropriados para demonstrar, pelo singular prisma da coerência, como a falta de ponderação desse partidarismo ferrenho leva à contradição e à insensatez, que passam, muitas vezes, despercebidas ao crítico apaixonado.

Antes de ser julgado pelo Senado, o presidente Collor renunciou. A Renúncia é um dos atos mais fulminantes do Direito; unilateral, independe de aceitação. Mesmo assim, aplicaram-lhe a pena, então 'fatiada', da cassação dos direitos polítios, com chancela do STF, composto, disformemente, de ministros do STJ. Pouca gritaria houve naquela época quanto a isso. No afastamento da presidente Dilma, o Senado utilizou a mesma medida, o tal 'fatiamento' desta vez, com a consequência (pelo voto, ressalte-se) de manutenção dos direitos políticos da presidente afastada. Mas, soa como se agora, e só nesse último caso,  houve agressão jurídica inominável.

Quando se vota num candidato a um cargo majoritário para o poder executivo, escolhe-se, ao mesmo tempo, o seu substituto. Se o eleitor não quiser um dos dois, basta escolher outra dupla, ou até mesmo anular o voto. Mas, ao votar, o eleitor legitima  a chapa, o candidato principal e o vice. Logo, em caso de substituição, e por qualquer que seja o motivo, é o eleitor, no fundo, que está a ascender o substituto ao cargo. Não há, portanto, qualquer ruptura institucional. Mas não foi isso que assistimos em discursos inflamados, e nas redes sociais, quando da ascensão do presidente Temer.

Nesses dois casos, e para ficar apenas neles, por limite de espaçõ, sem adentrar, por exemplo, no 'looping' interminável de discussões sobre vacinas e sobre outros temas polêmicos atuais, veem-se , frequentemente, opiniões furiosas, histriônicas, até com marchas e contra-marchas, que só mesmo o maniqueísmo sectário explica. Aliás, percebe-se, nesse ambiente, em que até a tentativa de comedimento, de chamamento ao diálogo, não é vem-vinda, pois seria , aos maniqueístas, sempre um ardil de algum lado da contenda; portanto, uma impureza.

Essa candidez exacerbada, derivada de um certo puritanismo, em minha seara, especificamente, vai de encontro a um princípio basilar do Direito: justiça é medida das coisas. Ou, como cunharam os romanos: 'est modus in rebus' (há medida nas coisas). Justiça não combina com extremismo. O caminho do meio não é uma quimera, como prega alguns radicais. Ele é (no campo do Direito, reitero) uma exigência da justiça, entendida como um construção plural, histórica e intrinsecamente permeada pelo debate, pela tolerância e pela busca de um denominador de aproximação das pessoas. E cabe a nós, aos operadores do Direito, como consequência do nosso juramento à justiça, tentar demonstrar os equívocos de uma sociedade de extremos.

Fonte: Evandro Pelarin / Jornal Diário da Região - (Postado na cidade de São José do Rio Preto - SP).


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