Acredite: ele não é necessariamente o seu amigo de infância e muito provavelmente não seja...
Depois de ter realizado algumas viagens médias e longas de moto, nacionais e internacionais, ora só, ora com grupos pequenos ou grandes de motociclistas, algumas difíceis e outras mais tranquilas, acho que posso relatar e transmitir de forma geral, algumas dicas e impressões sobre este assunto.
Não sou um profissional da área da psicologia ou médica e, portanto, falarei sobre o assunto unicamente na posição de motociclista, igual a você, que sente frio, calor, dor, fome, sede, fica doente, cansado, contente, triste, com raiva, sente saudade e etc. Enfim, falarei sobre as relações humanas em uma viagem de moto, com base unicamente nas minhas observações pessoais dos comportamentos, experiências, além de algumas pesquisas sem cientificidade.
Em uma longa viagem de moto, algumas necessidades e sentimentos citados acima ocorrerão, senão todos, sendo que muitas das vezes, ao mesmo tempo. Em alguns casos, as condições físicas e severas de frio, calor, fome, etc., podem levar à sintomas que se assemelham a do estresse, mas que são amenizados pelo prazer da viagem. Por conta disto, às vezes temos a impressão que as sensações estão potencializadas. Pode ser interessante entender (não necessariamente saber) em que momento da vida o seu “amigo” está e acho que, mais importante ainda do que escolher um bom parceiro de viagem, é exercer, em alguns momentos, a difícil, TOLERÂNCIA.
Pois bem, então vamos imaginar a seguinte grande situação:
Você e mais dois amigos, o Alexandre e o Valentino, sempre quiseram fazer uma viagem de moto-aventura. Há anos todos vocês sonham com a realização desta viagem, mas por conta de problemas no trabalho, família entre outros, a tal viagem nunca deu certo. Este ano, as coisas mudaram um pouco pra você, exceto seu peso e a condição física que não estão legais. Por outro lado, apesar da difícil aceitação da viagem pela sua esposa, os filhos o estão apoiando. E os seus amigos? Adivinha? Eles podem ir!
O Alexandre acabou de se separar da esposa. Ele não tem filhos. A Empresa na qual ele trabalha está passando por uma fusão. Acabaram de colocar um novo profissional no seu departamento e ele conseguiu férias para os exatos 20 dias planejados para a viagem.
O Valentino é um cara boa praça, solteiro, tem um negócio próprio e durante vários anos esperou pelos outros dois amigos para fazer esta viagem. Ele não tem problema com as datas e muito menos com a namorada, com a qual mantém um relacionamento há seis meses. Só tem uma coisa que o incomoda, a dívida que possui, que já soma cinco vezes o faturamento mensal de sua Empresa.
Vocês sabem que a viagem terá muitos percalços e vai lhes exigir muito física e mentalmente. É o seu sonho e o de seus dois amigos! Contudo, por conta da vida atribulada ou simplesmente para manterem a privacidade, nenhum dos três sabe a fundo como está a vida um do outro.
Tudo bem até aí (acho), mas notaram que cada um tem potencialmente uma “bagagem” com peso e volume pré-definidos e este tipo de bagagem não vai no Baú, vai na cabeça de cada um e muitas vezes não é conhecida por todos que vão compartilhar os momentos na estrada, em condições severas, por 20 dias neste caso. Tá certo que minha situação hipotética já é um caldeirão fervendo, mas é totalmente passível de ser real, com mais ou menos intensidade.
Bem, vamos continuar nossa historinha. O Planejamento durou seis meses e claro, levou uma boa pitada de ANSIEDADE dos três motociclistas. Mais um condimento pro caldeirão...
A viagem parte e para que se encaixasse no prazo máximo que o Alexandre (lembra? O da fusão da Empresa) podia, os quatro primeiros dias serão de exaustivos 500 quilômetros diários de terra. No primeiro dia, depois de 500 quilômetros, sendo 200km de muita chuva, barro e frio, chegam sem se alimentar na primeira cidade para pernoite. Você que está fora do peso, tem muitas dores nas costas, reclama e muda a planejada Pousada, de custo razoável, para uma mais cara e com mais conforto.
O Valentino (aquele da dívida) não gosta muito, mas para atender o amigo, aceita. Ainda, prevendo o pior, você tentar diminuir com os amigos a quilometragem planejada dos próximos três dias, o que não é possível, porque seu amigo Alexandre não concorda, afinal ele tem que voltar para trabalhar no prazo máximo de 20 dias. Vão dormir tarde, à meia noite.
Mais uma informação: Entre você e o Alexandre não houve diálogo, você foi dormir com dor nas costas, preocupado com os três dias que virão e o Alexandre foi dormir preocupado com sua condição física para aguentar até o prazo final dele e da viagem. O Valentino foi tolerante com o amigo, mas por conta da pousada mais cara, já pensa em refazer o Planejamento de custo diário e se preocupa com o apoio dos companheiros.
Logo pela manhã (6:00h) você recebe uma ligação de sua esposa para te contar da febre alta que um dos seus filhos está. Em seguida ela te pergunta em tom agressivo por que você não ligou no dia anterior, e você explica que chegaram tarde e conta sobre a dor nas costas, o que não é bem recebido por ela, que metralha uma “adequada” frase: “Eu te falei, eu disse que não era pra você se meter nesta!”. Daí para uma discussão no telefone com sua esposa, foi rápido. Desligaram em completa desavença. Você desce pra tomar café vestido com uma camiseta que tem uma Girafa estampada na frente e o Valentino como sempre brincalhão, te fala: “Hummmmm, que lindo o vestidinho de girafinha?”. O Alexandre ri...
PRONTO, FOI O ESTOPIM! A confusão foi montada. A brincadeira, e não passava de uma brincadeira, foi recebida com mal humor e desencadeou uma série de discussões pesadas a respeito do Planejamento, do dia anterior, da postura de pilotagem de um e de outro, etc. Tudo isto em decorrência da carga pessoal de todos os envolvidos desde o Planejamento e potencializado pelas condições da viagem. Certamente esta situação é capaz abalar a amizade entre os três.
Você pode imaginar como serão os próximos 19 dias de viagem deste grupo se não houver TOLERÂNCIA?
Contei esta história, que não é muito diferente de uma que já vivi, para descrever um resumo do que acho interessante citar para a composição de parcerias e na elaboração de uma viagem:
- Reúna parceiros de viagem que tenham afinidades pessoais, na pilotagem e para o estilo de viagem a ser realizada;
- Tenham (você e seu grupo) objetivos gerais comuns;
- Conheça as suas limitações e de seus companheiros de viagem;
- Faça um bom Planejamento, real, exequível (considere tempo para possíveis emergências);
- Faça um Planejamento em conjunto ou no mínimo faça com que o grupo participe durante a elaboração;
- Tenha maturidade para avaliar se o Planejamento está adequado para sua condição e de seus parceiros;
- Repita para si sempre: “As pessoas são diferentes e sentem diferente”;
- Toda e qualquer pessoa tem anseios, bem como você;
- Em condições físicas severas, os sentimentos e reações são potencializados, exercite o auto-controle;
- Coloque-se na condição do outro, SEJA TOLERANTE;
- Em algumas situações, o silêncio é o melhor remédio.
Fonte: Texto pelo Ruba - Rock Riders.com
ruba@rockriders.com.br
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