sexta-feira, 30 de setembro de 2022

MOMENTO JURÍDICO - Excludente de Responsabilidade Civil das Agências de Viagens.

 

Culpa exclusiva das vítimas e de terceiros.


De partida, cumpre delinear que o problema com o cancelamento dos voos tem como fundamento uma causa estranha aos deveres legais e contratuais das Agências de Viagens, afinal, estas não detêm o controle das companhias aéreas a ponto de interferir nas decolagens.

Isso porque o controle do fluxo de partida de voos, por expressa previsão normativa, é de responsabilidade exclusiva das Companhias Aéreas, incluindo também a Infraero, este último, quando a partida tenha ocorrido no Brasil.

Dessa forma, os cancelamentos de voos sujeita-se à aplicação da excludente de responsabilidade prevista no inciso IIdo § 3º, artigo 14 do CDC, a qual é reforçada pelas normas específicas que disciplinam o transporte aéreo e as regras contratuais fixadas entre as partes.

A responsabilidade civil das Companhias Aéreas envolvendo os cancelamentos dos voos é disciplinada em diversos diplomas nacionais e internacionais. O Código Civil Pátrio, ao tratar ao tratar do transporte de pessoas, esclarece no artigo 737 que o "transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos".

Nesse sentido, a Lei 7.565/86 ( Código Brasileiro de Aeronáutica), nos deixa claro que a responsabilidade pelo cancelamento de voos é de responsabilidade exclusiva da companhia aérea que realizou o voo, estabelecendo nos artigos 230 e 231 as providências específicas que devem tomar para minimizar os efeitos desta situação, seja ela a reacomodação do passageiro em outro voo, endosso do bilhete ou restituição:

Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de 4 (quatro) horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.

Art. 231. Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a 4 (quatro) horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

Por sua vez, a ANAC prevê, em sua Resolução 141/2010, especificamente no artigo , que "o transportador, ao constatar que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente programado, deverá informar o passageiro sobre o cancelamento, o motivo e a previsão do horário de partida, pelos meios de comunicação disponíveis".

O artigo  da mesma resolução reforça e detalha a previsão normativa contida nos artigos 230 e 231 da Lei 7.565/86, estabelecendo pormenorizadamente dos deveres dos transportadores em decorrência de atrasos.

Não obstante esteja claramente demonstrado que as Agências de Viagens não têm responsabilidade civil em casos como o ora descrito, é cristalino que a Resolução supracitada responsabiliza somente a transportadora, não citando em momento algum as agências de viagens, conforme se observa:

Art. 8.º Em caso de cancelamento de vôo ou interrupção do serviço, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro: (...)

Art. 14º. Nos casos de atraso, cancelamento ou interrupção de vôo, bem como de preterição de passageiro, o transportador deverá assegurar ao passageiro que comparecer para embarque o direito a receber assistência material.

Ademais, os artigos 20 e 21 da resolução 400 da ANAC também determinam que o cancelamento do voo deve ser imediatamente informado PELA COMPANHIA AÉREA AOS (ÀS) PASSAGEIROS (AS), assim como prestada assistência a eles, NÃO MENCIONANDO EM MOMENTO ALGUM A AGÊNCIA DE VIAGENS:

Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis:

I -que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; e

II -sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço.

§ 1º O transportador deverá manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso.

§ 2º A informação sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador, sempre que solicitada pelo passageiro.

Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos:

I-atraso de voo por mais de quatro horas em relação ao horário originalmente contratado;

II -cancelamento de voo ou interrupção do serviço;

III -preterição de passageiro; e

IV -perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, inclusive nos casos de troca de aeroportos, quando a causa da perda for do transportador.

Parágrafo único. As alternativas previstas no caput deste artigo deverão ser imediatamente oferecidas aos passageiros quando o transportador dispuser antecipadamente da informação de que o voo atrasará mais de 4 (quatro) horas em relação ao horário originalmente contratado.

Por outro lado, necessário esclarecer que a solidariedade está prevista no artigo 25 do CDC, especificamente em seu § 1º, conforme pode ser observado pelo artigo colacionado abaixo. Entretanto, o artigo é claro ao mencionar que há solidariedade entre os responsáveis pela CAUSAÇÃO do dano, em outras palavras, a Ré não foi a responsável pelos fatos narrados pela Autora, não podendo, portanto, ser responsabilizada:

Art. 25.É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1º Havendo mais de um responsável pela causação odo dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2º Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

Todavia, caso não seja este o entendimento operado pelos Tribunais, o que não se espera, de acordo com o artigo 279 do Código Civil, o qual segue transcrito abaixo, se porventura a prestação de serviço restou impossibilitada, é possível argumentar que cabe aos devedores solidários pagar o equivalente, ou seja, o valor pago pelo serviço que não fora usufruído nos termos do pactuado, mas, pelas perdas e danos responde apenas o culpado, no caso, a companhia aérea:

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

Da interpretação das regras jurídicas que disciplinam o contrato de transporte aéreo, nenhum dispositivo legal estende ou cria quaisquer deveres às agências de viagem pelo cancelamento do voo. Aliás, nem poderia, justamente porque a intermediação turística é uma atividade completamente distinta do transporte de pessoas. Portanto, a imputação de responsabilidade pretendida pela Autora não é possível.

Nessa senda, torna-se imprescindível a transcrição dos julgados infra, nos quais os magistrados entenderam que as agências de viagens não possuem qualquer relação com os problemas advindos das companhias aéreas. Vejamos:

CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL. AGÊNCIA DE VIAGENS -VENDA EXCLUSIVA DE PASSAGENS AEREAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA AFASTADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. Todos os que participam da cadeia de consumo tem responsabilidade pelos danos decorrentes do fato ilícito ou do defeito na prestação de serviços em decorrência do princípio da solidariedade e do próprio sistema de proteção, fundado no risco-proveito do negócio, consagrado no artigo parágrafo único, do CDC.

2. Não obstante, em se tratando de atuação de agência de turismo, em que o negócio se limite à venda de passagem, de ordinário a responsabilidade solidária pode ser mitigada, como já decidiu o Egrégio STJ no julgamento do Agravo regimental não provido. ( AgRg no REsp 1453920/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 09/12/2014).

3. No caso em exame, o serviço prestado pela agência de turismo foi exclusivamente a venda de passagens aéreas, circunstância que afasta a sua responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo e autoriza o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação indenizatória decorrente de cancelamento de voo.

4. A par de tal quadro, não há razão jurídica para que a recorrente EDESTINOS.COM.BR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA seja responsabilizada pela alegada falha na prestação do serviço prestado pela Empresa Aérea, consistente no atraso de voo, porque sua responsabilidade está limitada à compra e venda dos bilhetes.

5. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO para reformar a sentença a fim de afastar a responsabilidade solidária da empresa EDESTINOS.COM.BR AGÊNCIA DE TURISMO LTDA, permanecendo incólumes os demais termos da sentença.

6. Sem custas adicionais e sem condenação em honorários advocatícios à ausência de recorrente vencido e de contrarrazões dos autores.

(TJ-DF 07117706520198070016 DF 0711770-65.2019.8.07.0016, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 31/07/2019, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 06/08/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS – AGÊNCIA DE TURISMO – VENDA SOMENTE DE PASSAGEM ÁREA – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE POR ATRASO E OU CANCELAMENTO DO VOO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que a responsabilidade solidária das agências de turismo somente ocorrerá quando da comercialização de pacotes de viagens, não podendo ser responsabilizada se atua como simples intermediária na venda de passagens aéreas, tendo em vista que não pode ser responsável pelo controle operacional das aeronaves da empresa transportadora.

(TJ-MS - APL: 08208417720178120001 MS 0820841-77.2017.8.12.0001, Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva, Data de Julgamento: 01/10/2018, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/10/2018)

SOB OUTRO PRISMA - e apenas para fins eventuais -, cumpre evidenciar que a jurisprudência pátria entende que o encerramento das atividades da Companhia Aérea, não pode ser imputada a agência de viagens:

Responsabilidade civil. Relação de consumo. Prestação de serviço. Agência de viagem. Compra de passagens para viagem ao exterior, vindo a companhia aérea, todavia, a encerrar suas atividades, com cancelamento dos voos. Demanda indenizatória ajuizada pela consumidora contra a agência e a companhia aérea julgada integralmente procedente, com imposição de reparações de ordem material e moral. Agência que não pode, todavia, ser tida por coautora e responsável solidariamente pelos infortúnios relacionados aos percalços sofridos pela autora em sua viagem. Companhia aérea (Pluna) tida por idônea. Encerramento das atividades imprevisível e que não pode ser atribuído de qualquer forma à agência, não se vislumbrando nexo de causalidade entre o serviço prestado, de aquisição das passagens, e os problemas enfrentados pela consumidora. Agências que não assumem responsabilidade ou o risco por todo e qualquer acidente de consumo que se registre ao longo dos serviços para os quais atuaram, se inexistente vínculo claro entre o evento e a atuação daquelas. Fatos, no caso, estranhos aos serviços da agência de turismo intermediadora, que simplesmente facilitou a aquisição das passagens. Reconhecimento contudo da obrigação solidária da ré-apelante quanto ao reembolso do valor despendido com essas mesmas passagens, dada a frustração do serviço correspondente. Demanda parcialmente procedente, limitadamente a esse aspecto. Sentença reformada em tais termos. Apelo da agência de viagem ré parcialmente provido.

(TJ-SP - APL: 30021222320138260084 SP 3002122-23.2013.8.26.0084, Relator: Fabio Tabosa, Data de Julgamento: 29/08/2018, 29ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/10/2018)

Logo, vê-se que a exclusão de responsabilidade das agências de viagens pela caracterização da excludente do ato de terceiro, é plenamente aceita pela jurisprudência dos tribunais, conforme supramencionado. Portanto, não pode ser outra senão a improcedência da ações que se amoldam ao presente artigo, acaso sejam ajuizadas em desfavor das agências de viagens.

Fonte: Vinícius Souza - Jus Brasil.com.br



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