sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

100 anos de caipirinha - Originalmente criada para fins medicinais, a caipirinha é hoje o drinque mais tradicional do Brasil e a queridinha dos turistas que visitam o país.

A combinação de cachaça com Limão faz 100 anos em 2018 e tem sua importância reconhecida internacionalmente, com receita estabelecida em decreto-lei. Fãs garantem: não há melhor drinque para representar o Brasil e sua diversidade.

Drinque que é símbolo do Brasil, a caipirinha completa 100 anos em 2018. A receita está na legislação brasileira desde 2009, garantindo o protagonismo da cachaça, acompanhada de limão, açúcar e gelo. Se tiver vodca ou saquê, precisa ter outro nome, como caipirosca ou caipissaquê. Caipirinha de verdade, só a tradicional - que pode, no entanto, ganhar ingredientes extras e ter o sabor renovado. O drinque é uma paixão nacional, mas nem sempre teve sua qualidade reconhecida no Brasil.

A cachaça era tida como uma bebida de qualidade inferior quando comparada a outras, como vodca,rum ou tequila. "O brasileiro não valorizava a cachaça.o Reconhecimento veio de fora para dentro, quando os estrangeiros começaram a gostar muito do drinque e, consequentemente, desse destilado", diz Carlos Lima, diretor-executivo do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça).

Segundo o Ibrac, os Estados Unidos por exemplo, chamava a cachaça de 'rum brasileiro'. Foi somente em 2013 que a bebida foi reconhecida pelos norte-americanos como um produto típico do Brasil. "E foi a caipirinha que serviu como grande embaixadora da cachaça. Tanto no nosso país quanto lá fora, ela mostrou a força dessa bebida", diz.

Força que, inclusive, fez crescer a economia nacional. Em 2016, a cachaça brasileira foi exportada para mais de 54 países, envolvendo mais de 60 empresas exportadoras e gerando receita de mais de R$ 44 milhões.

Hoje são 40 mil produtores e 4.000 marcas no mercado, alocadas, principalmente, nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Paraíba. A cachaça é a segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo só para a cerveja. E o consumo dela hoje é quase cinco vezes maior do que o de uísque e vodca.

O nome cachaça está protegido por Lei, e a produção é restrita ao Brasil. A Lei define essa bebida como exclusiva aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% por litro, obtida a partir da destilação e fermentação do caldo de cana.

Derivan de Souza, 62 anos, é dono da escola Pro Drinks e procura transmitir a seus alunos a importância da caipirinha. "Na década de 1990, fui estudar bebidas na Itália e vi que não constava nenhum drinque nacional na lista dos cem internacionais mais importantes do mundo. "Em virtude disso, Souza -- apoiado por brasileiros também especialistas em caipirinha -- empenhou-se para divulgar mais informações sobre o drinque e colocar seu nome junto a outros célebres, como o Dry Martini e o Cosmopolitan. "Mudamos o preconceito que havia contra a cachaça e hoje temos muito orgulho", afirma.

E foi justamente esse orgulho que motivou Leandro Batista a abrir as portas do bar Butique da Cachaça. "Meu espaço foi pensado para vender caipirinha. Eu me especializei nessa bebida e recebo um retorno gratificante dos meus clientes", conta. "Não tem valor que pague o encantamento que meu trabalho trabalha causa nas pessoas que vêm até aqui para saber mais sobre caipirinha e provar novos sabores". Batista ganhava a vida como garçom e barman de restaurantes de comida brasileira, como Mocotó e Barnabé, mas quis se dedicar à produção de cachaça. Hoje, tem duas em seu nome. O empresário tem outra missão: o projeto Umas e Outras, que leva, de bicicleta caipirinhas para vender em bairros distantes do centro da capital. "Procuro apresentar sabores diferentes de caipirinha às periferias. Quero que as pessoas conheçam o caju, por exemplo.Muitos nunca comeram a fruta", diz.

Receita fácil, valor acessível
Para Alexandre Bertin, presidente da Confraria Paulista da Cachaça, a caipirinha é receita de sucesso por ser fácil de fazer e ter ingredientes simples, com valores acessíveis. "Além disso, esse drinque acompanha bem qualquer prato da culinária brasileira, como feijoada, moqueca, churrasco e comidas de boteco",  descreve Bertin. "O Limão do tipo taiti é uma fruta típica brasileira, e só com um limão já é possível fazer um copo de bebida, completa ele.

Há uma maneira certa de preparar a fruta para que a caipirinha não fique amarga. "O segredo é não macerar, ou seja, não esmagar demais o Limão com o socador na hora de obter o caldo". 

Foi o amor pelo preparo da caipirinha que motivou Kelly Costa, 39 anos, a publicar o blog "Caipirinha Prendada" (caipirinhaprendada.com.br), no qual divulga receitas criadas por ela. "Eu era acostumada a beber a caipirosca, até que uma amiga me convenceu a experimentar com cachaça", conta Kelly. E foi amor ao primeiro gole. Desde então, ela se dedica a conhecer melhor a história da bebida e da caipirinha, além de ter feito cursos para aprender o preparo de drinques. "Eu não fazia a menor ideia da quantidade de rótulos de cachaça que existem no Brasil", revela. 

As caipirinhas de Kelly têm sabor inusitado e se utilizam das mais variadas frutas, como é o caso das de abio, açaí, café (uma das mais queridas e solicitadas), pimenta, pimentão, jambolão, folha de laranjeira, pepino, tomate-cereja e tantas outras. Sempre, claro, respeitando a receita básica, com limão, açúcar e gelo.

"Os meus amigos e até reconhecidos me pedem para preparar a caipirinha em qualquer lugar que eu esteja. Para mim, é muito gratificante saber que gostam dos sabores que criei", conta. 

O sucesso entre os amigos foi tanto que Kelly lançou, há seis meses, o Livro "Caipirinhas - 60 Dicas Testadas e Aprovadas" (R$ 58,90, 172 págs., Ed. Gralha Azul), com conteúdo em português e tradução em inglês.

O cuidado de Kelly com o preparo do drinque é meticuloso. Ela carrega uma maleta com cerca de um metro de altura onde ficam armazenados os itens necessários para fazer uma caipirinha de respeito. Dali saem facas, copos, coqueleteiras, tábuas de madeira e muitas frutas. Um dos segredos, segundo Kelly, é usar açúcar cristal na receita, em vez do açúcar refinado, comumente utilizado. "O açúcar do tipo cristal leva mais tempo para se dissolver e vai adoçando a caipirinha aos poucos", ensina a especialista.

As medidas de cachaça são calculadas com precisão. Kelly explica, inclusive, que há vários tipos dessa bebida que podem ser utilizados no preparo do drinque. "Antes de começar,eu não fazia ideia de que era possível encontrar cachaça que custasse mais de R$ 100", afirma. "Mas não precisa ser essa, pode ser usada uma tradicional. É só fazer com carinho." As cachaças mais caras a que Kelly se refere são as do tipo Premium, Extra-Premium e Reserva Especial, envelhecidas em recipientes de madeira apropriado por, no mínimo, um ano. O que varia, também, é a versatilidade da madeira em que podem ficar armazenadas as cachaças. "A mais comum é o carvalho, mas a cachaça aceita ficar em bálsamo, cerejeira, ipê, jacarandá e em muitas outras",diz Derivan Souza, professor de drinques.

"A cachaça branca é a mais comum, e é aquela que não foi adicionada em madeira. Fica como foi produzida, sem sofrer alteração e cor e de sabor", explica Alexandre Bertin. "Depois da destilação, a cachaça é reservada somente em aço inox e, em seguida, é padronizada e engarrafada. Essa bebida apresenta aroma e paladar mais próximos ao da cana-de-açúcar", esclarece. "Os sabores e aromas tendem a ser mais intensos, secos e ardentes. Isso ocorre, basicamente, por ser um produto mais fresco em comparação às cachaças que são curtidas em madeira".

Em 100 anos, a caipirinha evoluiu bastante, passando a ser uma bebida tipicamente brasileira e a preferida de muitos na hora de escolher um drinque. "Eu preciso me segurar para não tomar caipirinha todo o dia, pois já me acostumei a testar receitas. Então, bebo só aos finais de semana e em feriados, para não viciar",diverte-se Kelly.

' E foi a caipirinha que serviu como embaixador da cachaça lá fora'
Carlos Lima, diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça

E foi para incentivar o consumo consciente que, em 2016, foi criada a Confraria Paulista da Cachaça. Produtores, donos de bares, profissionais de marketing, jornalistas e especialistas em cachaças se reuniram para disseminar a cultura cachaceira e promover o consumo correto e responsável da bebida. Além disso, o grupo promove cursos, palestras, eventos comemorativos e degustações para quem se interessa pelo assunto e deseja saber mais sobre ele. Para mais informações sobre a confraria, acesse www.paulista.net.

Caipirinha surgiu como remédio e se tornou drinque da elite canavieira

Segundo Carlos Lima, diretor-executivo do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça), há duas versões para o surgimento da caipirinha. "Existem passagens na história sobre o uso de uma mistura feita com limão, mel e alho, com o acréscimo da cachaça, que era indicada aos doentes com gripe espanhola, para acelerar o efeito terapêutico. Era usada como remédio", afirma Lima.

Em 1856, os paratienses -- aqueles nascidos em Paraty, no Rio de Janeiro -- costumavam receber estrangeiros com suco de limão misturado à cachaça, para evitar o escorbuto, doença que surge pela carência de vitamina C, caracterizada por queda da resistência e por propensão a infecções.

"Mas, como drinque, ela surgiu em 1918, há 100 anos, em Piracicaba", informa Lima, referindo-se à cidade localizada a 160 km de São Paulo, que tem tradição no cultivo da cana-de-açúcar. "A caipirinha passou, então, a ser servida pela elite da cultura canavieira. Assim, começou a substituir o uísque que os vinhos importados."

Uma curiosidade interessante é que a caipirinha foi servida durante a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922. "O drinque foi servido no evento para marcar o resgate da brasilidade" afirma Lima. Segundo a biografia da pintora paulista Tarsila do Amaral (1886-1973), ela era apreciadora tanto da cachaça quanto da caipirinha. 

"Quando Tarsila morou em Paris, em meados de 1920, ela recebia cachaça enviadas do Brasil, com as quais preparava seus drinques. A artista, inclusive, apresentou a bebida ao espanhol Pablo Picasso (1881-1973)", conta Derivan de Souza, estudioso e fundador da escola Pro Drinks.

Já a cachaça possui cerca de 500 anos e surgiu entre 1516 e 1532. É considerada a primeira bebida destilada das Américas, criada antes mesmo do pisco, da tequila e do rum, de acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça. Ainda segundo a associação, há duas versões para o surgimento da cachaça: a primeira, mais aceita, é a de que os portugueses, acostumados a tomar bagaceira (destilado da casca da uva), improvisaram uma bebida a partir da fermentação e destilação de derivados do caldo de cana-de-açúcar. A segunda versão é que a de que, durante a fervura para fazer o açúcar, surgia uma espuma, que era retirada dos tachos e jogada no cocho dos animais. O líquido fermentava e se transformava em um caldo, a que se dava o nome de "cagaça", que parecia revigorar o gado. Os escravos notaram algumas alterações no comportamento dos animais e passaram a beber esse caldo. Então, os portugueses começaram a destilar o fermentado da "cagaça", dando origem à cachaça.

Fonte: Lara Pires / Revista da Hora - Jornal Agora-SP.
(Postado na cidade de São José do Rio Preto-SP)


























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