Os jornalistas se juntam em Brasília. Além dos que cobrem o governo federal, muitos outros foram deslocados para a capital do país para acompanhar a posse do novo presidente da República. Muitos são retirados de seus hotéis durante a noite e recebem uma nova pauta. Há uma discussão se o vice-presidente assumiria no lugar do titular. As hipóteses mais contraditórias circulam nas redações. O povo elegeu um presidente e não um vice. Outros lembram que nas eleições majoritárias se elege uma chapa formada pelo titular e o reserva. Isso em tempos de calmaria, rebatem outros. Ninguém sabe ao certo quem vai estar com a faixa presidencial no dia seguinte. Afinal, milhares de pessoas foram às ruas nas principais cidades do Brasil com a bandeira da mudança, da posse de um novo governo mais identificado com os anseios nacionais. Discute-se se o Brasil é ou não uma democracia, mesmo pairando sobre o planalto uma ameaça de intervenção militar a qualquer momento. Seria a volta de uma ditadura?
Os mais sensatos recorrem à Constituição. Os mais afobados dizem que se o titular, por qualquer motivo, não puder completar pelo menos metade do mandato, deve-se convocar uma nova eleição. De fato, isso consta da Constituição, mas na da fundação da República. A carta em vigor deixa claro que sempre que o titular não puder governar assume o vice. Há quem defenda que o cargo deveria ser assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, uma vez que ele pertence ao maior partido político dos partidos políticos. O auge da tensão é a notícia que os militares não aceitam do país e é o terceiro na linha sucessória. Os meios de comunicação suspendem suas tiragens diante de tantas versões que circulam em Brasília. Há o temor de uma “barriga” jornalística e a contribuição para acirrar ainda mais os ânimos nacionais. Há uma resistência maior dos políticos paulistas que deixam claro não apoiar o vice-presidente. Ele é acusado de traidor, de tramar nos bastidores sua aclamação com ou sem a unanimidade a solução apresentada e podem intervir de uma hora para outra. Durante toda a noite as reuniões se sucedem e o alvorecer teria que vir seguido de um fim da crise que se avolumava hora a hora. É talvez a noite mais longa vivida pela capital da República.
A última notícia é que o presidente eleito está internado no hospital, vítima de um mal súbito. Isso é suficiente para novas especulações e hipóteses. Teria condições de, no dia seguinte, seguir para o Palácio do Planalto e receber a faixa presidencial? Segundo os médicos do Hospital de Base, a indisposição é passageira, e logo ele estaria bem. Tancredo Neves, eleito pelo colégio eleitoral para suceder João Batista Figueiredo, não melhora. A cúpula política, mesmo sem dormir, faz nova reunião no alvorecer e chega à conclusão de que a Constituição em vigor, a de 1969, garante a posse do vice e não do presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães. No horário programado pelo cerimonial, José Sarney, uma velha raposa política, recém-ingresso no PMDB, se apresenta para receber a faixa presidencial de um funcionário do palácio. O país respira aliviado, não há retrocesso, pelo menos momentaneamente. Os decretos assinados por Tancredo, destituindo os ministros do governo anterior e nomeando novos, são publicados no Diário Oficial. O ex-apoiador do regime militar, presidente do partido de sustentação do governo é o novo presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. O mandato é de 4 anos, mas há muitas concessões de canais de televisão e rádio para serem distribuídas e que garantem 5 anos na presidência, como os seus antecessores.
Heródoto Barbeiro é jornalista, comentarista da Record News e Nova Brasil FM.
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