segunda-feira, 9 de maio de 2022

MOMENTO JURÍDICO - O que são criptomoedas e qual a relevância dessa discussão no meio jurídico?

 

As criptomoedas têm gerado cada vez mais atenção no cenário econômico, mas essa evidência não fica restrita apenas à seara financeira. Ela mobiliza, e muito, também o segmento jurídico.

Os inúmeros termos técnicos como blockchain, hash, NFT, smart contract, proof of work, dentre outros, a regulação incipiente e a falta de entendimento de boa parte público geral sobre a tecnologia fazem com que o universo cripto seja um terreno pantanoso.

Essas características fazem do mercado de criptomoedas um ambiente altamente propício à ocorrência de golpes que atraem os investidores com promessas de alta rentabilidade e ausência de riscos. São as popularmente denominadas ‘’pirâmides financeiras’’.

Mas o que é uma criptomoeda?

Embora ainda falte um conceito legal ou jurisprudencial sobre o que é uma criptomoeda, o consenso do mercado é de que trata-se de uma espécie de moeda que existe no meio digital ou virtual, e utiliza criptografia para a realização das transações. Tomando como exemplo o Bitcoin, maior criptomoeda em capitalização de mercado atualmente, algumas de suas características são:

• Escassez: quando no surgimento, o código fonte do Bitcoin foi programado para que houvesse apenas 21 milhões de unidades da moeda, das quais estima-se que atualmente, em 2022, 90% delas já foram mineradas. Entretanto, aproximadamente 3,7 milhões de Bitcoins foram perdidos permanentemente por impossibilidade de acesso. A maior parte desse desperdício se deu porque seus donos se esqueceram da chave privada necessária para acessar as carteiras. Todos esses fatores tornam o Bitcoin extremamente escasso, o que tende a aumentar seu valor ao longo do tempo como vem ocorrendo.

• Descentralização: Diferentemente das moedas fiduciárias (Real, Dólar Euro...), o Bitcoin não é controlado por nenhum governo ou pessoa, o que o torna imune a eventuais políticas econômicas prejudiciais que levam ao aumento da inflação e à perda do poder de compra.

• Confiabilidade da rede: Desde a primeira transação ocorrida em 05 de outubro de 2009, a rede do Bitcoin permaneceu em funcionamento por 99% do tempo, o que evidencia sua robustez. Além disso, apesar de o Bitcoin já ter sido declarado ‘’morto’’ por mais de 432 vezes, sendo 39 delas apenas de 2021, sua resiliência tem feito com que ele seja encarado como uma excelente alternativa aos investimentos tradicionais.

Embora o Bitcoin não seja a primeira criptomoeda a ser criada, uma vez que há registros de tentativas que remontam ao final da década de 70, foi a primeira a efetivamente resolver o problema do ‘’gasto duplo’’ e servir como uma unidade monetária.

O que seria o denominado ''problema do gasto duplo''?

A título de exemplo, é possível que você tenha uma foto em seu celular e compartilhe com várias pessoas, de modo que cada uma delas passará a ter em seu aparelho uma cópia dessa imagem. Por sua vez, as pessoas que receberam a imagem podem compartilhá-la livremente com outras pessoas sem que para isso a titularidade da imagem seja modificada. Esse é o gasto duplo: podem ser criadas cópias infinitas de um determinado arquivo sem transferência de propriedade.

Quando falamos em uma simples foto, isso não gera maiores repercussões ou inviabiliza o arquivo, mas quando tratamos de uma moeda digital cuja proposta é servir como uma unidade de troca, o gasto duplo não pode ocorrer. Do contrário, uma única unidade em circulação poderia transformar-se em dinheiro infinito sem que houvesse nenhuma geração de valor, o que levaria ao colapso do sistema financeiro.

Eis então que em 2008 surge o Bitcoin e soluciona esse problema através da implementação de uma estrutura que possibilita com que cada transação possa ser registrada permanentemente e validada: a blockchain. Nela, cada transação gera um hash, que é uma espécie de identidade, um código único que representa determinada transação, permite sua identificação e serve como prova de sua validação.

Para se ter ideia da importância do tema criptomoedas, segundo a plataforma CoinMarketCap, o volume global de negociações envolvendo ativos digitais passou de 13 milhões de dólares em 2016 para 3 trilhões de dólares em 2021. E no Brasil não foi diferente. O volume negociado passou de 100 bilhões de reais em 2019 para 215 bilhões em 2021.

Um levantamento feito pela da empresa Chainalysis, que monitora dados relativos a negociações com criptomoedas, apontaram que os investidores brasileiros lucraram 2,5 bilhões de dólares em 2021 através da negociação de criptomoedas, o que levou o Brasil à 15ª posição no ranking mundial. Não por acaso, o legislador brasileiro está atento ao tema.

Além disso, há cerca de 10 milhões de pessoas que investem em criptomoedas no Brasil. Isso é o dobro de CPFs que constam como investidores da Bolsa de Valores, a B3, cuja legislação data de 1976 (Lei nº 6.385). Ainda, esse número é maior do que o de investidores ativos da Bolsa de Valores e do Tesouro Direto somados (cerca de 6,7 milhões).

Em 2019 a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa nº 1888, que trata da obrigatoriedade no fornecimento de informações sobre as operações realizadas com criptoativos. A referida instrução, inclusive, busca definir o que é um criptoativo ao prever no inciso I do seu art. 5º que considera-se criptoativo ‘’a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; ‘’
No inciso II há ainda a definição do que seria uma exchange, plataforma similar às corretoras utilizadas como ambiente para investimento em ativos listados na Bolsa de Valores. Assim, considera-se exchange ‘’a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.’’

Por parte do Legislativo, no dia 26 de abril de 2022 foi aprovado pelo Plenário do Senado o substitutivo do PL 4.401/2021, com relatoria do Senador Irajá (PSD), que regulamenta o mercado nacional de criptomoedas.

Detalhe interessante sobre o projeto é que, inicialmente, a definição de criptoativo trazida no art. 3º era a seguinte:

‘’Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento [...].’’

Contudo, emenda apresentada pelo Senador Izalci Lucas (PSD), foi sugerida a alteração da redação do supramencionado art. 3º para:

‘’Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de bem ou valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, negociável ou transferível eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços [...].’’

Além da intenção de adequar o texto do projeto à definição de criptoativo trazido pela IN 1888/2019, outros pontos da justificação da emenda merecem destaque:

‘’A emenda é necessária para adequar o texto do PL à definição de ativo virtual já adotada pela Receita Federal do Brasil desde o ano de 2019 (Instrução Normativa nº 1.888/2019).

O texto ora apresentado amplia a abrangência do conceito de ativo virtual para que as novas tecnologias e suas possibilidades de aplicação possam vir a ser abarcadas pela lei, possibilitando o incremento de inovação e desenvolvimento econômico no nosso país.

A emenda também busca sinergia à postura adotada por entidades internacionais como o Bank for International Settlements - BIS, o Financial Conduct Authority - FCA e o Markets in Crypto-Assets da União Europeia – MiCA. O conceito de ativo virtual previsto no projeto de lei deve incorporar expressamente a criptografia e as tecnologias de registros distribuídos – DLT.’’

Com isso, a tendência é que, se aprovado na Câmara dos Deputados juntamente com a referida emenda, o PL 4.401/2021 servirá como base para uma legislação ampla, moderna e em consonância com os padrões internacionais no que concerne à regulação de criptoativos, dos quais as criptomoedas são uma espécie.

Não obstante, é necessário cuidado para que não haja regulação excessiva e alta burocratização, sob pena de que sejam impostas barreiras à inovação e à descentralização, elementos que compõem a essência do ambiente cripto.

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