De Araxá (MG) até São Miguel das Missões (RS) o mineiro Emílio de Moura rodou 4.500 km em busca das melhores serras para andar de moto
No final de 2021, com ressaca de pandemia e já com duas doses de vacina no corpo, era preciso pegar a estrada e expulsar os demônios acumulados. Passei o Natal com a família e no dia 26/12 iniciei uma breve viagem, - corrida - mas com um roteiro foi bem interessante.
A diversão sobre duas rodas geralmente conta com curvas sinuosas e belas paisagens. Neste sentido, são destinos comuns no sul do Brasil as estradas conhecidas como Rastro da Serpente, Graciosa, Corvo Branco e Rio do Rastro. Na dúvida entre qual delas percorrer resolvi fazer todas e mais alguma coisa...
A moto escolhida foi uma Yamaha Teneré 250, companheira desde 2012 e mais de 85.000 km rodados. Antes da partida mandei trocar relação, óleo (e filtro) do motor, fluido de freio, óleo das bengalas e pneus. Foram revisados rolamentos, caixa de direção, parte elétrica, vela e freios. O aro dianteiro estava com uma pequena avaria, típica de quem enfrenta os buracos da cidade. Aproveitei para consertar e realinhar as rodas.
Pneu invertido
O primeiro dia de viagem foi de deslocamento, quase 650 km, entre Araxá (MG) e Capão Bonito (SP). Chegando ao destino, ao abastecer a moto, percebi que a seta, que vem gravada na lateral do pneu dianteiro e indica o sentido de rotação, estava apontando pra trás. Ou seja, o pneu foi montado errado. Virar o pneu seria a primeira coisa a fazer antes de seguir viagem, já que a previsão era de chuva, Nessa condição o pneu montado errado não escoa a água da forma correta e aumenta o risco de aquaplanagem.
No dia seguinte levantei cedo e não havia ainda oficina aberta que pudesse virar o pneu. Ainda faltavam duas horas para que o comércio iniciasse suas atividades. Como não havia ainda sinal de chuva, segui viagem até Apiaí (SP), não queria perder tempo e também estava fissura pra ir pra estrada.
A Serra da Serpente é bastante divertida. Asfalto bom, curvas de baixa e média velocidades. Até dá pra ir mais rápido, só que nesse caso a paisagem fica pra segundo plano e ela não merece isso. Aos poucos comecei a rodar no chamado “Vale Europeu”. Picos enevoados, vales, pequenas retas seguidas de curvas, tudo emoldurado por aquela paisagem que lembra o Velho Mundo. Tudo misturado com vegetação típica de mata atlântica, imperdível! Melhor relaxar e pilotar devagar curtindo as curvas, a vista, os cheiros e responder aos muitos cumprimentos dos outros motociclistas.
Não mexo com BMW!
Chegando em Apiaí foi uma via crucis pra virar o pneu. A primeira borracharia que fui estava lotada, o borracheiro indicou uma oficina de moto. A oficina de moto me mandou pra um posto de combustível que indicou outra borracharia. Nessa outra, o rapaz disse que não fazia serviço em BMW (?!?) e me indicou um outro local que estava fechado. Voltei na primeira e disse que ia esperar, não havia outra opção e já apareciam pequenas pancadas de chuva.
Pneu montado para o lado certo, segui viagem ainda pelo Rastro da Serpente até Curitiba (PR). Dá-lhe curva e mais curva. A paisagem continua deslumbrante. O prazer do passeio é indescritível e gera uma grande expectativa ao que ainda viria.
Graciosa
Cheguei na capital do Paraná e segui pela BR-116 até o Portal da Graciosa com nuvens de chuva à frente e se aproximando. Fotos de praxe no portal, caldo de cana do bar que existe por ali e, infelizmente, a chuva atrapalhou esse trecho. A estrada da Graciosa é também cheia de curvas e cercada de muitos atrativos. Mas o calçamento de parte da estrada fica escorregadio quando molhado e a chuva ficou muito forte. Não deu pra curtir como eu queria - mas fui lá e valeu a visita, mesmo que breve.
Voltando para Curitiba a chuva só aumentou e o tráfego estava intenso. Nesse cenário parei num posto pra esperar a chuva dar uma maneirada - e nada. O volume de veículos na estrada diminuiu um pouco e resolvi seguir, mas não por muito tempo porque a chuva aumentou. Parado em outro posto, havia outros motociclistas na mesma situação e como sempre acontece a prosa começou. Conheci Paulo Barreta e Edson Godoy, que vinham de Campinas (SP) para percorrer a região da Serra do Rio do Rastro. Como a chuva não dava trégua e o dia já estava comprometido, decidimos procurar um hotel por ali e combinamos de seguir juntos até a Serra do Rio do Rastro. No dia seguinte, por sugestão de Paulo, esticamos até Guarda do Embaú, Palhoça (SC) pra um almoço de frutos do mar. Saí primeiro, tinha 350 km pela frente e estava na fissura de rodar. A descida para o litoral catarinense foi complicada, muitos veículos de Curitiba até a Florianópolis (SC) fio pilotando praticamente todo este trecho no corredor. Cheguei a Guarda do Embaú e cerca de 40 minutos depois chegaram os companheiros de viagem. Um belo almoço com conversa sempre girando em torno de moto e viagens num lugar muito bonito e lotado! De lá seguimos até Laguna (SC) onde pernoitamos.
Rio do Rastro
Mais curvas, até que enfim. Subindo a Serra do Rio do Rastro - que lugar! Ali é comum os motociclistas subirem e descerem várias vezes no mesmo dia. Parecem crianças na montanha russa - de novo, de novo, novo... E vale a pena. O lugar é mágico com paisagem fantástica e tem piloto experimentando fazer curva de tudo quanto é jeito. Na subida a paisagem é muito bonita, mas a vista na descida é minha preferida.
No mirante do alto da Serra do Rio do Rastro, em Bom Jardim da Serra (SC), um lanche rápido, a promessa de outras viagens e me despedi dos novos amigos motociclistas Paulo e Edson, que continuaram acompanhando meu trajeto no restante da viagem e compartilhando também a viagem deles.
Segui para Urubici (SC), passei direto e fui até a Serra do Corvo Branco - que dizem - seria na verdade um urubu-rei. Mas, em alguma parte da história, alguém se enganou com a ave e ficou corvo branco. Muita gente na parte alta. Tirei algumas fotos tentando não pegar ninguém no fundo e quase consegui. Dá-lhe mais curvas. Veículos maiores acabam fechando a estrada por alguns instantes. Também vale cada minuto de viagem.
O retorno
De volta a Urubici, tentei visitar mais alguns pontos turísticos, mas em alguns era necessário pedir autorização antes, em outros já era final do dia e não daria pra aproveitar muito. Resolvi ficar na pousada Estrela do Luar fui tomar uma cerveja no Rota 370, lugares que valem a pena conhecer.
O plano era seguir de Urubici até os canions de Cambará do Sul, já em terras gaúchas. Como não havia mais tanta curva, a emoção foi alterar o programa do gps para incluir estradas não pavimentadas. De São Joaquim (SC) até Bom Jesus (RS) passei por cerca de cem quilômetros de estrada de terra cruzando a divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na chamada Volta da Couve, onde o Rio Pelotas marca a divisa entre os dois Estados. Estrada boa, toda cascalhada e algumas poucas pessoas pelo caminho me olhando com cara de “esse sujeito deve tá perdido”.
De Bom Jesus, segui até São José dos Ausentes-RS. Em nosso imenso país, mudam as paisagens, os sotaques, os nomes das coisas. Em São José dos Ausentes que me despertou a curiosidade na lanchonete onde um cartaz anunciava: “Temos Bijajica e Alaminuta”. Fui perguntar e descobri que “bijajica” é um biscoito que em Minas Gerais chamamos de “Papudo”. Já sabe o que é? Não? Explico. Um biscoito frito, coberto de canela e açúcar perfeito pra acompanhar um “cafezim”. Já o “alaminuta”, pelo que a moça me explicou é o nosso “PF" – o famoso prato feito.
Continuando pra Cambará do Sul, o asfalto termina pouco depois de São José dos Ausentes. Segui novamente por estrada não pavimentada e os canions estavam ali, mas a neblina não colaborou. Cheguei no horário errado e, neste ponto, a viagem planejada já estava com um atraso de dois dias.
Parti então pra conhecer as Missões Jesuítas na cidade de São Miguel Arcanjo, no noroeste do Rio Grande do Sul. No caminho encontro com motociclistas do Brasil, da Argentina e do Paraguai. Cada parada um encontro, dada encontro uma prosa, cada prosa uma nova amizade e muitas dicas de viagem.
Missões
Nas missões, lugar mágico, fiquei imaginando o dia-a-dia dos jesuítas. No local há diversas placas contando a história das ruínas dos Sete Povos das Missões que começou com a catequização dos índios Guaranis e terminou numa guerra que expulsou os religiosos dali no início do século XVIII. Na entrada da cidade, há um portal com os dizeres “CO YVY OGUERECO YARA”, que de acordo com uma placa do local significa “ESTA TERRA TEM DONO”. Saí de lá com a promessa a mim mesmo de conhecer o restante das missões. Dizem que as ruínas no Paraguai são também impressionantes.
Das Missões, segui a dica do amigo Edgard Cotait e fui conhecer o Salto do Yucumã, no Parque Estadual do Turvo em Derrubadas (RS). Cheguei à entrada do parque às 16h05min. Mas a portaria do parque fecha às 16 horas. Tentei argumentar mas um funcionário do parque me convenceu a voltar no dia seguinte dizendo que eu aproveitaria melhor o lugar e me indicou o Parque das Fontes, um camping bem legal. Foi nesse camping que passei o réveillon 2021/2022. Barraca montada, moto na porta, céu estrelado, paz, muita paz, num lugar em que eu não conhecia. Uma virada de ano que vai ficar na lembrança até o meu último dia.
Posso dizer que comecei o ano com o pé direito! O que poderia ser mais legal? Estava visitando a impressionante cachoeira Salto do Yucumã, a maior do mundo com uma extensão de 1.800 metros. Entrando no parque, percorre-se cerca de 15 kms não pavimentados até a cachoeira. Chegando lá existe com estacionamento, banheiros, dois foodtrucks e uma pequena caminhada até a margem do imponente salto. Mais um lugar impressionante, que merece a visita e a preservação.
Do Salto do Yucumã iniciei a volta pra casa, com uma breve visita a um amigo motociclista em União da Vitória (PR). Depois de muitas curvas, muitos lugares bonitos e novos amigos que partilham o mesmo entusiasmo pelas motos, estradas e aventuras. Cheguei em Araxá pronto pra começar de novo, começar de novo um roteiro da próxima viagem!
Box: Distancias e localizações
P.S. Sempre alguém pergunta então já vou responder. Fiz a viagem devagar, mantendo entre 80 e 100 km/h. O consumo da Tenere ficou entre 30 e 34 km/litro. No total foram 4.450 kms rodados em 10 dias.
O Rastro da Serpende fica na região do Vale da Ribeira e inicia na cidade de Capão Bonito (SP) sentido Apiaí (SP) pela rodovia SP 250 e BR 476. São cerca de 260 km de extensão e 1.250 curvas.
A Estrada da Graciosa fica no estado do Paraná e liga Curitiba a Morretes (PR) e Antonina (PR). Há um portal de entrada nas margens da BR-116. São 40 km de extensão e “chuto” umas 150 curvas.
Serra do corvo branco fica no estado de Santa Catarina. Cheguei por Urubici-SC. São cerca de 60 km de extensão serpenteando entre Urubici e Grão Pará (SC).
A Serra do Rio do Rastro possui aproximadamente 40 km de extensão e a diversão (curvas) iniciam no município de Lauro Muller (SC) e seguem até o Mirante de Bom Jardim da Serra (SC).
Fonte: Revista Duas Rodas.
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