A pandemia da covid-19 está deixando nosso pequeno planeta desnorteado, perdido. Todos estamos preocupados e sentidos, sobretudo quem foi atingido mais de perto pela doença ou pela morte. Eu estou aqui na Itália e somente nesses dias saímos do lockdown, mas sempre temerosos e com toda a precaução exigida pelas autoridades. Ao mesmo tempo, estou muito apreensivo com os meus amigos e amigas do Brasil. Quantos desabafos e tristezas: “Padre, quantos amigos se foram!” Assim me disse, com dor no peito, uma senhora que perdeu o único filho. Quanto sofrimento!
Ao compartilhar tudo isso, eu também desabafo com o meu Deus: “Senhor, por que tudo isso? Por que tantas mortes? Por que, Senhor?” Não tenho uma resposta imediata e, assim, me mergulho na oração e reflexão. Nos longos silêncios, começam aflorar pensamentos como: “Deus não tem culpa de tudo isso, aqui somos nós os responsáveis.” Como? Quando não estudamos suficientemente e não apostamos nas pesquisas científicas para poder ajudar o ser humano a se libertar das doenças. Quando não respeitamos a própria natureza e não buscamos uma convivência pacífica. Quando fazemos da nossa vida uma simples especulação de mercado, reduzindo a própria vida a uma mercadoria.
Este tempo de sofrimento e deserto nos ajuda a rever toda a nossa concepção da vida, rever os valores prioritários que temos e assumimos até agora. Também nos iludimos com os avanços da ciência, da medicina, achando que a nossa vida não tinha limite e que a morte estava bem longe. Mas com a vinda de Covid-19, nossa expectativa de vida foi derrubada e agora a morte está achando graça da nossa ciência. Portanto, essa catástrofe da pandemia pode nos ajudar também a resgatar a sabedoria das Sagradas Escrituras, que nos diz: “Ensinai-nos a bem contar os nossos dias, para alcançarmos o saber do coração.” (Sl 89,12)
Quero lembrar aqui sábias palavras do Papa Francisco: "Queridos irmãos e irmãs, na provação que estamos a atravessar, também nós, com os nossos medos e as nossas dúvidas como Tomé, nos reconhecemos frágeis. Precisamos do Senhor, que, mais além das nossas fragilidades, vê em nós uma beleza indelével... Agora, enquanto pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pandemia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás. O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir da ideia que a vida melhora se vai melhor para mim, que tudo correrá bem se correr bem para mim".
E continua Francisco: "Começando daqui, chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os pobres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frágeis, todos iguais, todos preciosos. Oxalá mexa conosco dentro o que está a acontecer: é tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira! Aprendamos com a comunidade cristã primitiva: os crentes «possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 44-45). Isto não é ideologia; é cristianismo". (19.04.2020)
Fonte: Claudio Pighin - Sacerdote e doutor em teologia - Belém/PA.
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